quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Do Gênio Americano - uma breve nota

William Turner, The Whale on Shore, circa 1837


Call me Ishmael 


O estilo de Melville como uma espécie de junção entre a ironia, o humor corrosivo de Machado e a obsessão etnológica de Euclydes da Cunha? De algum modo eles se convocam, conversam. Daí que os três estejam provavelmente entre os maiores prosadores das Américas. Entre os inventores de saídas e bandeiras, na ficção. Entre os desbravadores da limiaridade e das fronteiras da expressão. Da chamada "expressão americana", como a designou Lezama Lima.

Depois de muito, muito tempo. Estou relendo Moby-Dick. Parece ser a primeira vez, de tão bom. O livro é um monstro em si. Uma muralha repleta de termos náuticos ou desconhecidos. Bastante específicos, precisos. Tem 135 capítulos e mais um curto epílogo. São 625 páginas, na excelente edição paperback da Penguin, de 2003, que ora manuseio. E há exemplares desta edição na Cultura, ao interesse mais imediato de quem. 

O livro parece transcorrer com tanta lentidão quando se pensa em veículos como o Twitter, por exemplo. Lentidão deliciosa. Um de seus personagens chaves, Ahab, o obcecado capitão do navio baleeiro, é mencionado pela primeira vez no Capítulo 16. E só aparece, de fato, no 28.

O romance é uma aula de vida. De risco. De ódio. De morte. 


E de limiaridade. De fronteira. De exílio. De limite. De desbravar. De sobreviver.

E, aqui, pode-se pensar em Hawthorne. Na humanidade de Hawthorne. Na compassividade de Hawthorne. Mas Melville tem esse tique do épico que é como Euclydes da Cunha. O assunto absorve tudo. A paisagem e o homem assomam inquebrantavelmente atados. Confundem-se. E não só o navio e o mar. Mas os pequenos portos baleeiros: New Bedford, Martha's Vineyard, Nantucket – que formam o cenário ideal para um prólogo que se estende por mais de cem páginas. Num dado momento, Ishmael o marujo protagonista e seu amigo Queequeg – um nativo dos mares do sul, todo tatuado e bastante habilidoso com um harpão – saem de uma pequena estalagem, em Nantucket, palitando os dentes. E os palitos são espinhas de halibute, um peixe do Atlântico Norte. O mar está por toda parte até no palitar os dentes.

E há um trecho mesmo em que ele diz pela voz do protagonista: “then here, I prospectively ascribe all the honor and the glory to whaling; for a whale-ship was my Yale College and my Harvard”. [assim aqui prospectivamente atribuo toda honra e toda glória à baleeiria; pois um navio baleeiro foi minha Faculdade de Yale e minha Harvard”.]

Fantástico. Tudo está impregnado de Oceano. De salmoura. De maresia. Salpicado por uma concrção que tem a ver com América. Com trabalho de campo. E com conhecer a fundo uma determinada tarefa. E pô-la a serviço de uma alegoria de vida e de morte.

E há a sombra do grande cachalote branco pairando sobre tudo. A sede de vingança - que tem mão dupla. E a violência de um mito que não se sabe se está mais fora que dentro do espírito conturbado de um velho marinheiro aleijado pela vida.

Em dados momentos, há tanta modernidade em Moby-Dick, ou a Baleia – o título original é este, e com hífen – que assusta pensar que foi publicado em 1851.

Pressinto que vou voltar, com mais lentidão, ao assunto. Mais lá adiante. Mas com o tempo desacelerado. 


Com o tempo que o assunto merece.


* * * 

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