Pelo
modo como as mulheres enchem a boca ou não para dizer “você” é
possível saber se estão apaixonadas. E o quanto. Tem algo desse tumulto –
só que mais desesperado – na voz dos meninos:
Você,
Você (Uma canção edipiana)
Que
roupa você veste, que anéis?
Por
quem você se troca?
Que
bicho feroz são seus cabelos,
Que
à noite você solta?
De
que é que você brinca?
Que
horas você volta?
Seu
beijo nos meus olhos, seus pés
Que
o chão sequer não tocam,
A
seda a roçar no quarto escuro
E
a réstia sob a porta.
Onde
é que você some?
Que
horas você volta?
Quem
é essa voz?
Que
assombração
Seu
corpo carrega?
Terá
um capuz?
Será
o ladrão?
Que
horas você chega?
Me
sopre novamente as canções
Com
que você me engana.
Que
blusa você, com o seu cheiro,
Deixou
na minha cama?
Você quando não dorme,
Quem
é que você chama?
Pra
quem você tem olhos azuis
E
com as manhãs remoça
E
à noite, pra quem
Você
é uma luz
Debaixo
da porta?
No
sonho de quem
Você
vai e vem
Com
os cabelos
Que
você solta?
Que
horas, me diga que horas, me diga
Que
horas você volta?
Letra
de Chico Buarque (para um tema de Guinga)
O modo como o amante da mãe é um monstro, Bicho-Papão que assombra a vida do menino, percorre toda a letra. Nesse estado de neurótica desconfiança, inquisição e ciúme, o menino não pode esquivar-se de estar mergulhado. Como esteve antes, no líquido amniótico. Ou de seguir perguntando. Compulsão. Antecipado interrogatório. E,
pior, não há como competir. E há mesmo o ponto em que o autor não quis ser explícito, embora esteja lá: "quem é que você (ch)ama?" ("Eu ou o Lobo Mau?" bem podia ser a continuação da pergunta). E esse não tocar os pés no chão que está presente também nas impossibilidades de "Beatriz". A dolência do ritmo, as dissonâncias, a intrincada harmonia
(marca registrada de Guinga) emprestam a essa anti-canção de ninar
a feição daqueles “clássicos discretos”, como "Valsa Brasileira" (com Edu Lobo), “Trocando em Miúdos” (com Francis Hime), "Todo Sentimento" (com Cristóvão Bastos), "Cadê Você" (com João Donato); e, dele próprio, "Basta um Dia" ou "Futuros Amantes". O mais são rimas toantes (aprendidas com Cabral?) e destreza com palavras.
Para
uma versão com a cantora portuguesa Bruna Pintus:
Para
a interpretação (ao vivo) do próprio Chico Buarque, antecedida pela
explicação sobre a obsessão do neto, Francisco, pela mãe/filha:
Será poque o amor é uma fome, que enchemos a boca pra dizer você e nunca nos quedamos saciados?
ResponderExcluiradorei o post, tenho grande admiração pelos clássicos discretos - como você tão bem os nomeou e um xodó especial pelas composições da parceria Edu Lobo/Chico Buarque (choro bandido, com todas suas referências à música como discurso de sedução é brilhante).
Você conhece esse blog? http://tuliovillaca.wordpress.com/
saciação, fome, mistério. o sei-la-o-quê mais completo. doido é quem define
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