quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Ainda Marchinhas de Carnaval


Se o Carnaval tem hino? Vários. Pode bem ser o alucinado frevo Vassourinhas, que é de 1909, e tem combustível de suingue para séculos adiante. Começou com uma letra, da qual divorciou-se para se apreciar melhor a música. Mas o que fazer se o frevo madruga lá em São José? Agora, a maioria desses hinos segue no andamento compassado das Marchinhas. Fosse por idade, e seria Ô Abre Alas, de Chiquinha Gonzaga, que é de 1899. Cidade Maravilhosa e Bandeira Branca estão entre as candidatas, assim como Máscara Negra. Mas marchinha por marchinha, há uma mais clássica: As Pastorinhas (1934), de Noel Rosa e João de Barros. Ela afirma o gênero, e ao mesmo tempo o esgota. Há em As Pastorinhas um caminho individual dentro do coletivo, capaz de inspirar um carnaval inteiro. 

5 comentários:

  1. Eu tenho a impressão que gosto mais da imagem e do simbolismo do carnaval, das "falsas memórias" (nunca estive nos antigos bailes, nos blocos do Rio, no frevo madrugador de uma antiga Olinda, nos ensaios no morro da Mangueira com Cartola e afins)do que de como ele me surge na materialidade dos dias contemporâneos. As marchinhas puxam o bloco das coisas que me emocionam.

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  2. não vejo problema com a materialidade presente, luciana. especialmente se houvesse mais prudência e, logo, as pessoas morressem ou (se) matassem menos de forma estúpida: nas estradas, nas praias, nos excessos, etc.
    agora, fortalezense e gente do sertão não sabe bem o que é carnaval. os de camocim e aracati sabem. são os que devem se sentir mais em casa em olinda. e aqui os pernambucanos são mestres. de tirar o chapeu.
    há, no entanto, uma razão muito própria para gostar de marchinhas. e elas merecem mais que essa postagem apressada. eu morava defronte a um dos clubes de camocim - o mais carnavalesco deles, por sinal. de cinco a dez anos, passava a noite ouvindo essas marchinhas, dormindo ao som delas. as vezes acordando no meio da madrugada. sonhava com o dia em que pudesse entrar naquele carnaval fora de hora, que entrava pela noite. achava alucinante que as pessoas perdessem suas rotinas de trabalho, e tudo ficasse meio bagunçado, de pernas pro ar. elas eram tocadas no carnaval infantil, à tardinha, além disso. algumas traziam na letra um recheio só de relógio, feito 'soldado de israel' ou 'cabeleira do zezé'. referências à guerra dos seis dias e à contracultura respectivamente. mas isso só fui notar muitos relógios depois. e algumas eram fantásticas e misteriosas, como a que informa a jardineira que sua amiga camélia caiu do galho, e depois morreu. era estranho ouvir que algo que trazia uma notícia de morte pudesse ser dito assim, para as pessoas dançarem. eram indagações que podiam passar pela cabeça de qualquer criança, porque uma criança é um phd em literalidade. e porque as marchinhas tem esse aspecto formativo, de criar mitos. de fabular histórias. como o mito do rio como cidade maravilhosa. só que aí, não tem desconto, o rio é maravilhoso mesmo. mas há muitos personagens: a chiquita bacana, as pastorinhas, o pierrô apaixonado, o pequenino grão de areia, a aurora (que não era sincera), zezé, a maria sapatão, o jacaré, a sogra, sara e raquel...

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  3. ah, ruy, pois as palavras são veredas perigosas, fazem o sentido perder-se se ele titubeia. Não quis dizer que há algum problema na forma como o carnaval se manifesta e é brincado, hoje. referia-me, apenas, ao meu próprio, ao malabarismo que faço com os dias.

    como você adivinhou, meu carnaval era no sertão. com livros. e filmes. e o desfile ainda transmitido pela Band (acho). meus primeiros carnavais foram em imaginação. Colombinas e Arlequins, claro. Eu ouvia rádio e era lá que as marchinhas me apareciam. E os sambas, as batucadas fazendo promessas ao corpo que só depois, bem depois eu soube traduzir.

    Foi só o tempo da rua que deu sentido final a esse tempo de carnaval por dentro. E, hoje, sou duas: a que vive o que não pode mais ser, a que recorda o que não viveu.

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  4. mas veja, acho fantástico seu modo de lembrar. a band, o rádio. e provavelmente percebi como uma generalização o que era algo pessoal, como você ressalta. talvez por alguns amigos generalizarem. inevitável que a coisa tenha se mercantilizado um bocado. horrores. como o futebol. mas, de outro modo, é a individualidade de cada um que propicia o carnaval. a boa sinergia. o querer estar no meio de muita gente, porque se sente que há algo de bom para passar. ou de alguma forma se quer estar na companhia daquela ruma de gente. confesso que não tenho mais disposição pra carnaval. ou para multidões. talvez até por ter levado o carnaval tão "a sério", no sentido de algo imperdível, indispensável. ou então, porque o número já não atrai tanto. admiro, ainda assim, quem, sem pensar duas vezes, já está brincando. o verdadeiro folião tem algo de zen. uma espécie de serenidade inabalável no meio da embriaguez.

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  5. Hoje faço o caminho oposto dos mais animados foliões, mas tenho lembranças concretas de carnaval de salão aonde as marchinhas animavam as matinês e mais tarde as madrugadas. "As Pastorinhas" tocava lá pelo meio do baile, quando os meninos já haviam se aproximado das suas vítimas, quero dizer, das suas escolhidas. Já "Trem das onze" era música de despedida.E um dos meus carnavais mais divertido foi passado em Ilhabela, quando eu já tinha uns 20 e poucos anos.Debaixo daquela chuva que Deus mandava, saímos num bloco de rua.Envolvida com toda aquela folia nem percebi o tempo passar e quando dei por mim o dia estava amanhecendo.São boas lembranças, não posso reclamar!

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