terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Vamos voltar a falar?: Futebol e Morte


O "Divino" Ademir da Guia prestes a meter uma caneta em Sua Majestade




Morte e Vida Claricina


Não há literatura realmente viva, cheia de sensualidade e pulso - onde entrem as curvas da bunda, o roliço das coxas e dos seios ou a palavra merda - sem pensar a morte. Sem incluí-la. Sem dissociá-la da vida. Dos ritmos, do quotidiano. Eis porque o grande poema do Ocidente, a Divina Comédia, é um passeio, uma peregrinação, pelo mundo dos mortos, pelo Além. Agora, há muito mais de judaico-cristão nisto do que de psicanálise. Mas poucos atentam para este último aspecto.

Para se ter uma dimensão disto, tomemos o conhecido comentário que João Cabral faz sobre Clarice Lispector no poema-circunstância abaixo:


Contam de Clarice Lispector


Um dia, Clarice Lispector
intercambiava com amigos
dez mil anedotas de morte,
e do que tem de sério e circo.

Nisso, chegam outros amigos,
vindos do último futebol,
comentando o jogo, recontando-o,
refazendo-o de gol a gol.

Quando o futebol esmorece,
abre a boca um silêncio enorme
e ouve-se a voz de Clarice:
Vamos voltar a falar de morte?


João Cabral de Melo Neto


Nota - no caso do Brasil, há autores que atacam a questão de modo um tanto caricato - como Nélson Rodrigues ou Dalton Trevisan. Outros são mais sutis, como Machado, cujo primeiro grande romance é narrado por um defunto. Ainda assim, Machado não se furta de inserir um capítulo inusitado, sumário, composto só de interjeições e onomatopéias. Ou seja, o transcorrer de um coito. De permeio, pode-se lembrar de um precioso estudo da poesia romântica brasileira, feito por Mário de Andrade, chamado "Amor e Medo".

2 comentários:

  1. adorei o post e o poema, que não conhecia.

    você sabe, ruy, que tenho grande admiração pelo futebol, mas tenho um fraco também por aqueles que o detestam, pois às vezes seus argumentos revelam um conhecimento curioso do esporte. neste caso, lado a lado, tanto a ironia de joão cabral quanto a pergunta de clarice. sempre por aqui, com um abraço, v.

    ps. "abre a boca um silêncio enorme", que verso! ps2. deixe o nélson, vai, rssss.

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  2. olá, victor, nada contra nelson. o tratamento caricato faz parte. e babo na gravata pelos textos dele sobre futebol. e aí, como vai de casa nova. já mudou?

    abs.

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