sábado, 14 de maio de 2011

Um atrás do outro, lá eles ---

[s/i/c]


Nove relatos da mesma insônia

Os nove relatos abaixo foram escritos na mesma noite. Neste maio. Sábado passado. Quase que um atrás do outro. A única exceção foi "As Amigas", que já havia sido escrito previamente e partiu de um diálogo fortuito que ouvi em algum lugar (apenas duas frases). E de certa imagem, bem mais antiga, que nada tinha a ver com o diálogo. Mas mesmo "As Amigas" foi sensivelmente modificado nessa mesma noite da escritura dos demais. Juntos com mais outros oito, um pouco mais longos e elaborados, que foram escritos em separado, eles constituem um pequeno livro de contos curtos chamado: 17 relatos começados com pronomes definidos. Pode-se dizer que o livrinho foi escrito em menos de uma semana. Alguns dos outros relatos já foram publicados por aqui, como "O Pastor" e "A Certidão". Ou no blogue português É Tudo Gente Morta, casos de "O Presente" e "O Equilibrista" e uma versão ampliada de "O Forasteiro" --- cuja versão reduzida encontra-se também aqui. 

Quatro ou cinco dos nove abaixo basearam-se em contos de Kafka. Mas se alguns dão a pista de quais contos partiram, em outros será muito mais difícil perceber, porque apenas a atmosfera foi recolhida.

Quando adolescente, eu lia Kafka com arrepios. Frios na medula. Certo terror. Taquicardias.  Uma vez, lendo O Castelo, na rede de tucum da varanda, senti-me tão hipnotizado por aquela atmosfera feérica e estranha, que pensei que fosse ficar louco. Pulei da rede e fiquei fixando a capa do livro, o coração disparado. Ler Kafka, àquela altura, era uma experiência psicossomática. Só muito depois comecei a perceber o quanto de humor havia naqueles contos. O ponto é que eles foram escritos dentro da tradição judaica da parábola. E, por isso, soam tão solenes a um adolescente. Com aquela singular autoridade que remete às Escrituras. Ou a naturalidade com que o absurdo infiltra-se no cotidiano. Ou vice-versa. Às vezes tão-só pelo deslocamento de uma única palavra. Mas, de outro, de modo, a idade nos ajuda a perceber o quanto há de humor nas frinchas daquela solenidade. Daquele tom de parábola.

Foi uma noite estranha. Eu havia passado a tarde com minha filha. Depois fui deixá-la em casa de sua mãe. E, de repente, ao voltar para casa senti muita saudade dela, que fizera  aniversário dois dias antes, no dia cinco: quatro anos. Ela estava muito feliz. E era como se eu precisasse de um pouco mais daquela felicidade. Eu sabia que iria viajar em dois dias. E não iria vê-la.

Uma vez em casa, não sei por qual razão comecei a ler Kafka. Reler, naturalmente. Tentei em alemão, mas é um bocado difícil para mim. E há alguma ferrugem a desoxidar. Em português, não gosto das traduções de Modesto Carone, louvadas por quase todos os especialistas em Kafka no Brasil. Então li uma tradução para o inglês. A do casal Willa e Edwin Muir, que nem é reputada entre as melhores em língua inglesa. Mas eu gosto. Parece, de um modo estranho, haver mais Kafka nelas que nas traduções de Carone. E, às vezes, era só começar a ler um conto, e logo vinha o impulso de escrever um relato. Quando dei por mim, o sol entrava pelas venezianas e a noite fora devidamente vazada. Eu poderia vender no quilo minha olheiras.

Receio que alguns de meus leitores não vão gostar de alguns destes relatos. Especialmente os mais despojados.



P.S. -- Turmalina, você está aí??

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