segunda-feira, 23 de maio de 2011

Talvez não devessem olhar para trás

[s/i/c]


Condomínios & Noivas

Por toda parte em Fortaleza, constroem-se condomínios residenciais verticalizados. Os prédios ficam cada vez mais altos. Isso naturalmente implica que as pessoas são vistas mais e mais enformigadas desde lá de cima. E isso deve comprazer ao espírito de alguns. As pessoas parecem gostar da ideia de que o mundo fica mais ordenado se visto de cima. De muito de cima. Ou que, de manhã bem cedo, quando o sol é mais saudável, sua luz será menos desfrutada pelas centenas de crianças que moram à sombra dos grandes condomínios em flor. Ou ainda de que é muito mais fácil pôr fim a tudo quando se tem uma janela no décimo sétimo andar. 

A fantasmagoria maior assoma naquele estágio da construção em que há imensos véus, para evitar que os passantes, nas calçadas, em geral sem capacetes, caminhando rente às obras, sejam atingidos por detritos ou uma ou outra chave de grifo que caia da mão de um operário. Esses imensos véus flutuando ao vento parecem emprestar aos prédios um quê de noivas. Daquelas noivas histéricas, que estacam no átrio da igreja. E parece que não vão entrar nunca. Feito seus passos estivessem contados e o número esgotara-se justo naquele instante. Meio como se algo do frio de câmaras frigorificas as tivesse petrificado, transmutado em estátuas de sal. Como a mulher de Lot. Talvez como a mulher de Lot, certas noivas não devessem sequer pensar em olhar para trás. Será que é por isso que algumas delas estacam tão firme que os lustrosos  saltos-altos parecem querer afundar no granito? E é como se nada as persuadisse a seguir adiante. Ainda que um meliante ameaçasse roubar o Rolex no braço com que o pai tenta segurar-lhe, de alguma forma, a histeria. 

A histeria dessas noivas pode fornecer bom paralelo para a vertiginosa verticalização de Fortaleza. Algo já consolidado, a despeito da simbologia dos véus. Algo que não se pode olhar para trás. Da janela de um avião vê-se a espessa barreira de edifícios entre a beira-mar perdendo altura na direção dos bairros mais a sul e oeste. E, mais que tanto, algo reafirmado sempre e de novo, quando se passa por uma região pela qual não se caminhava só há uns poucos meses atrás. 


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