segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Wish I was Bob Dylan: Robert Creeley


Marisol, John Wayne, 1963

Em um trecho de seu poema “In London”, Robert Creeley, herói de uma geração, diz assim: 

[…]


Wish Joan Baez was here
singing “Tears of Rage” in my ear.
Wish I was Bob Dylan
He's got a subtle mind.
I keep coming—
I keep combing my hair.
Peter Grimes
Disraeli Gears
That tidy habit of sound
relations—must be in the
very works,* like.
*Words work
the author of many pieces
Wish I could snap pix in
my mind forever of roofs out
window. Print on endurable paper, etc.
With delight he realized
his shirt would last him.
I'll get home in 'em.
The song of such energy
invites me. The song
of

THERE is a space
of trees—

long since, all
there—

Este é o fragmento final. E o poema, escrito em fins dos 60, assoma inusualmente longo para os padrões de Creeley. Mas não à margem da dolorida compressão. Do desorientante minimalismo do mestre. De como ele praticamente chega à abstração a partir do coloquial, da gíria, da expressão corrente levemente modificada pelo deslocamento de uma partícula, e, logo, desfamiliarizada pelo itinerário de uma auto-consciência perto de impiedosa. E então Creeley contrasta a outros contextos, esse coloquialismo, monstrualizando-o, estranhando-o ainda mais. 
Além disso,  "In London", como para barrar os sectários de uma estética - difícil imaginá-lo filiado a um partido político, defensor intransigente de um parti-pris estético, que ele até possuía em nitidez especialmente quando jovem, mas com um invejável respeito por quem pensa e age ao largo - é dedicado a poetas da extensão, do derramamento, do surreal: Lorca e seu discípulo tradutor norte-americano, Robert Bly – companheiro de geração de Creeley e um homem obcecado pelos mitos. Mas também alguém que vai por uma poética antípoda à do autor de For Love, com sua concisão, versos tersos, extraordinário minimalismo e disposição para o epigrama.
E, no entanto, o que o trecho acima revela?
Certo ressentimento que mesmo um poeta de vanguarda não pode esquivar-se de sentir diante do músico, do letrista ou do libretista, já que além de músicos pop (Baez, Cream, o próprio Dylan) ele também cita a ópera de Benjamin Britten. E, então, ressentimento. Mais ou menos como o de Leminski diante de Caetano Veloso. E Leminski tanto sentia esse ressentimento que tratou de compor algumas canções e usar um pouco o violão. E Caetano, que bem pressentia com quem estava lidando, tratou de gravar “Verdura”, cuja música – não só a letra – também é de Leminski. E "Verdura" não é má canção. Mas devia ser exceção no modo de Leminski produzir. Afinal, se produzisse mais canções que poemas, ficção, ensaios, se pusesse mais empenho nisso, Leminski seria compositor ou letrista pop, o que ele era apenas secundariamente. 
E então, teria de mudar de ramo, de algum modo. E treinar dar mais autógrafos. Ou assumir que o que desejava, no fundo, era apenas a notoriedade, que o músico pop tem em doses bem mais cavalares que o poeta (de vanguarda ou não). Ainda quando o poeta de vanguarda, no caso, seja tão pop quanto Leminski ou Creeley era.
Não é emblemático que um poeta de vanguarda como Creeley almeje ser Bob Dylan? O alcance de Dylan, sua audiência, são desmesurados se postos em parelha aos de Creeley. Aos de Creeley, que ainda em vida, na maturidade, foi um dos mais festejados poetas dos Estados Unidos.

E ainda assim, que poeta irá ficar? (Ou melhor: irá ficar algum? É importante que fique alguém? E para quê? Para quem? E essa hierarquia? Quem vai lembrar de versinhos numa era em que qualquer criança pode assistir aos vídeos que bem entender? E praticamente teletransportar-se sem sair do lugar. Quem será literatura no tempo em que a literatura for totalmente alheia ao modo como a concebemos hoje? E quem a for não será fatalmente um esquecível passado? E, então, por que tentar descobrir os funcionamentos e leis da poesia se se esquece de escrevê-la? Ou mesmo se essa tarefa custa a própria margem de espontaneidade e intuição (não ingênuas) necessárias para sua escritura?)

Há muitas dúvidas. Há um excesso de dúvidas. E em nenhum momento parecemos dispostos a tornar mais claro o panorama. A indecisão, hesitação, a dúvida viraram norma. Mais que isso, são cultivadas e assume-se uma alergia por qualquer conclusão. Como se a conclusão em si fosse má coisa.

Hoje em dia as dúvidas vão e vêm sobre o corpo carcomido do heroísmo e da vanguarda.¹ Talvez em grau ainda mais vertiginoso que em qualquer passado momento. Antes era tão mais fácil decretar que a arte era isso; poesia, aquilo; vanguarda, aqueloutro. Música, bem todo mundo sabe o que é, ainda hoje. Ainda bem.

E vanguarda para quê, se a poesia está sempre ao alcance de todos, a qualquer momento, em qualquer lugar? Qual a possibilidade, a plausibilidade de vanguarda? Já não seria vanguarda reconhecer ou conhecer, ao menos parcialmente, as antigas normas de funcionamento de uma expressão, de uma modalidade de expressão? Creeley ao fim da vida retornou a procedimentos bastante "poéticos" que rejeitara em certo momento: a assonância, a rima, certa medida menos aleatória...Coisa que muito "artista" hoje em dia sequer conhece. E mesmo esse conhecimento será imprescindível apenas para que não se pratique uma poesia ingênua ou tolamente rendida a torpes conceitos reouvidos em seminários de pós-graduação? Ora, a vanguarda consistia numa atitude. Ela não brota apenas de livros. Ou apenas das experiências de vida. Dificilmente confundia-se, de um lado, com a ingenuidade auto-complacente de Bukowski (vida), ou, do outro, com a poesia pós-graduada de alguns dos L=A=N=G=U=A=G=E poets (teoria, informação). 



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¹Nem citemos a universidade, que, como de uso, é de onde mais provem ficção travestida de "ciência", embora muitos ainda se tomem profundamente a sério. E sejam quase sempre estes os produtores de subteorias apenas fastidiosas. (E de ficções feridas de morte em espírito e em invenção). Pensem, por exemplo, na verdadeira obsessão que as ciências socias têm por metodologia. E não será isso uma confissão explícita de insegurança quanto ao tal propalado objeto de "ciência"?

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