sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Regina Duarte, Alice Braga, as brunetes e certo riso nos jardins de outra década




um dia, aí pela década de oitenta a meio, vi Regina Duarte na alameda externa do Theatro José de Alencar. Envergava turbante e óculos escuros, blusa e calças compridas de tons claros, sapatos de salto e uma écharpe. Além daquela auto-suficiência   mansa, não injustificada  de supor que todos a conheciam pelo país afora. (O que, de resto, era absolutamente verdade: haveria rosto mais famoso que o da ex-namoradinha do Brasil, mais ou menos ao tempo em que ela fez a Viúva Porcina?) Só estávamos nós dois. Ela, que reconhecia o entorno, olhou para mim, e sorriu em simpatia. Não falamos nada, apenas nos cumprimentamos

talvez ela haja pensado que eu era um jovem ator local no intervalo do ensaio, da oficina. E não lembro o que eu fora resolver no Theatro àquela altura. Ela estava em seu elemento. Mas nunca lidei bem com esse negócio de puxar conversa com gente famosa, embora naquele dia tenha ficado, algo, tentado. E, todavia, fere meus princípios incomodar alguém por motivos de celebridade. A não ser que sejamos apresentados¹. E, então, ficamos no boa tarde e no tudo bem 

provavelmente foi uma das vezes que cheguei mais perto de um daqueles mitos absolutos da televisão. Carinhoso, a telenovela – a exemplo de umas poucas outras – fazia nossa casa parar, naquele tempo em que a Globo detinha o monopólio da vida e dos corações. E que coisas inteligentes, como Roque Santeiro, iam ao ar no horário nobre. Porém nem todos que escrevem folhetins possuem a desenvoltura de Dias Gomes. E não que hoje não haja coisas inteligentes, palpitantes. Apenas os tempos são outros. E a gente também. E a Globo já não é mais tão monopólica assim

mas agora sabendo que Regina é filha de cearense, posso dimensionar melhor certas coisas. Alguma familiaridade que nos era cara. E não fazíamos ideia de onde vinha. Aquele gargalhar esganiçado, escovado, mais fluido que a de outras atrizes da TV. Um rir à solta, assim meio sem-vergonha, e que soa tão nosso. E, então só faltava ela vaiar do jeito que só nós vaiamos neste mundo. Isso bem que explica ela ser parecida com a menina que sentava a seu lado no ônibus, indo pro Pici. Ou tomava um coco na Praia do Futuro. Ou batia ponto à tarde na Ponte Metálica, numa roda de violões ao pôr-do-sol. Ou tomava sorvete no Juarez. Ou você via passar pelos corredores do Ibeu. Ou entrava numa das lojas de um Shopping Iguatemi recém-inaugurado  e você entrava atrás por mera inércia. Ou envergava um chapéu coco que parecia menos uma homenagem a Chaplin que a Lena Olin. Ou ainda ia a um show do Grupo Budega, no Anfiteatro da Volta. Ou à Feirinha da Praça da Igreja de Fátima. E vestia-se, ainda um pouco hipponga, com aquelas blusinhas artesanais bordadas, e pisava sobre um chinelinho de couro ou sapatilha chinesa. E assim seguia aos festivais da Crédimus. E às sessões de arte no Gazeta

e, por falar em Regina Duarte, é surpreendente a semelhança que há entre ela e Alice Braga. E ambas são muito parecidas com certo tipo de brunete fortalezense, que mescla um bocado de português a um leve delineio indígena. E não por acaso, Alice, que é uma alusão à Regina jovem, fez uma cearense na série As Brasileiras ("A Indomável do Ceará"), da Globo. Algo se ilumina

e essa mistura é pura explosão


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¹Isto, de resto, está no temperamento da família. Como uma regra tácita, que todos seguimos, sem termos acordado previamente. Uma opção por não dar muita trela à notoriedade. Durante as gravações de certa novela da Globo ambientada em Fortaleza, aí pelos 90, meu irmão mais novo fazia graduação. Estava próximo à parada de ônibus e, como estivesse em cima do horário de aula, pedia carona, o indefectível polegar em riste. Selton Mello, que fazia parte do elenco da novela, ia passando num carro, e lhe ofereceu carona. Meu irmão cumprimentou-o. Checou o itinerário. Entrou no carro. E seguiu calado. À certa altura, depois de algumas referências um pouco oblíquas sobre cinema, anúncios, telenovelas, televisão, Selton lhe diz:
–Cara, Fortaleza tem crescido pacas, né?
–É–responde meu irmão. 
–Parece que estão até gravando uma novela da Globo na cidade.
–É o que dizem. 
–Pô, você não vê televisão, meu irmãozinho? – indaga Selton, então um jovem ator, já um pouco desesperado.
–Vejo. Mas, repare, eu vou ter de ficar bem ali na esquina
Meu irmão agradeceu a carona, saltou na Treze com a da Universidade. E foi embora. 
Somos todos assim. 
E não adianta ir atrás de razões.

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