John Baldessari, Haste Makes Waste [Pressa Faz Merda], 1973
Novas Mídias, Algumas Parcas Propostas & Triar
Novas Tecnologias, novas mídias, novos recursos de TI. É tudo de mais provisório com que se pode trabalhar hoje em dia. Desde os suportes até as redes de sociabilidade, tudo surge e passa numa vertigem espantosa. Sugere que outros suportes, os de décadas passadas, demoraram demais da conta até desaparecer.
Tomemos o vinil, como exemplo. Os velhos bolachões pareciam eternos. O sistema mais à mão de “pirateá-los” era a fita cassete. Mas as boas fitas cassetes não eram exatamente baratas e, à sua vez, eram bem pouco práticas, uma vez que você tinha que localizar no contador de seu aparelho de som – se ele tivesse um – o espaço reservado a uma determinada canção. Justo aquela, que você queria ouvir de novo e de novo. Haja rewind!
Mas, sem dúvida, o tempo dos vinis e das fitas cassetes foi lento e longo se comparado com o tempo dos novos suportes digitais.
Muitos já ficaram para trás: o disco floppy, o disquete rígido, por exemplo, não tiveram muita chance. Hoje em dia, sua capacidade de armazenagem se comparada à das pen-drives ou de certos HD externos, por exemplo, parece uma piada. E a capacidade de armazenamento destes, em breve, será fichinha diante de engenhocas que surgirão em menos de dois anos e das quais sequer suspeitamos. Serão menores que a cabeça de um alfinete? Poderão ser pregadas ao corpo, como um pequeno piercing? E se puderem ser tatuadas?
Foi tudo muito rápido. Está sendo tudo muito rápido. E tudo será ainda mais rápido.
A primeira vez que ouvi falar em internet, em termos práticos, foi em 1991, numa universidade inglesa. Um colega que fazia doutorado na área de física me contara, maravilhado, que havia trocado mensagem por escrito, através do computador, com pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco. Eu nem me ative muito aquilo. Tinha de gastar bastante tempo e alguns 'cents', respondendo às cartas que os amigos enviavam. Seguia com elas para a agência postal do campus duas vezes por semana. Elas eram, junto com uma ou outra matéria avulsa nos jornais ingleses, a cota que eu podia juntar de notícias sobre o Brasil. E era uma cota escassa. Vez por outra, meu pai me mandava um exemplar de Veja ou do jornal O Povo, que chegavam, no mínimo com uma semana de atraso. Diante dessa transa postal, a incipiência da internet, ainda parecia algo remoto, que não se sabia se iria vingar ou não. Telefonar para o Brasil, à época, era caríssimo. Impraticável. Fazíamos isso quatro ou cinco vezes ao ano, em datas especiais.
Mas quão rápido avançaram as novas mídias!
Em 1993, quando trabalhava como redator publicitário em uma agência, já de volta a Fortaleza, havia me rendido ao editor de texto – já que nunca fora um grande datilógrafo e entendia que os editores iam bem com meu modo de revisar um texto vezes sem conta; trocando o lugar das palavras, testando o melhor fluxo das frases, o melhor ritmo para elas. Nosso diretor de arte também já se beneficiava de programas que hoje seriam bisavós dos sofisticadíssimos softwares de desenho gráfico. Mas tudo isso ainda sem a internet.
Em 1995, ministrando aulas no curso de história da Universidade Estadual do Ceará [UECE], ao final do ano, recebi um trabalho em disquete. Foi o primeiro nesse suporte. E veio junto com um bilhete desafiador: “internete-se”!
No ano seguinte, comprei meu primeiro pc, um IBM Aptiva. Para a época, uma máquina, cheia de recursos. Eu achava o máximo, então, poder ouvir música no computador enquanto escrevia. Ou fazer uso do editor de texto em casa, não na agência de publicidade ou na faculdade. E lembro que imprimia tudo antes de ler. Porque a leitura, de verdade, para mim, passava por algo impresso, algo no papel. Eu ainda não aprendera a ler “no monitor”. E, de outro modo, só cheguei a conectar esse computador, um ano e meio depois, quando fui morar em São Paulo. E foi, então, no augusto ano de 1997, que, de fato, a internet entrou de roldão na minha vida. E para não mais sair.
Mas se comparada a hoje, era ainda precaríssima: conexão discada. Caía a todo instante. As páginas demoravam séculos para carregar. Os softwares de navegação travavam. A quantidade de jornais, veículos de comunicação ou universidades que já haviam aderido com razoável grau de confiança ao novo veículo ainda era incipiente. Basta dizer que o escritor norte-americano que seria objeto de minha tese de doutorado possuía 11 referências no programa de busca mais sofisticado da época (o Altavista). Hoje, no Google, ele possui nada menos de 56.700 referências. É quase a informação de dez anos atrás multiplicada por 5000.
Eis, aqui, também um dos problemas que, cada vez mais teremos pela frente: saber chegar á informação que desejamos, descartando, no processo, muitos acidentes de percurso, desvios inúteis ou o que, ora, chamamos de spams.
Em especial, sinto algo que segue bastante nesse sentido se analiso o comportamento de uma área que se beneficiou enormemente dos avanços das novas mídias: o audiovisual.
Nesse campo, à analogia de muitos outros, as novas mídias digitais provocaram uma verdadeira revolução. Desde o barateamento das câmeras e gravadores de captação de som até os processos de edição não-linear, feitos em casa, por softwares de fácil manipulação, que democratizaram enormemente a possibilidade da confecção de uma peça—seja ela um longa metragem, um videoclipe, um vt publicitário ou mesmo um documentário para web. Nunca a imagem, em termos de custo desceu para tão perto da escrita. E nunca o mundo e seus fenômenos foi mais filmado. Desde quedas de jatos, tornados tropicais a prosaicos acidentes domésticos.
E, no entanto, tudo isso tem impactos que só serão dimensionáveis algum tempo adiante.
E por quê? Porque, por exemplo, a informação sobre o que se produzia nas diversas tradições nacionais de cinema, era veiculada, num tempo pré-internet, de modo incomensuravelmente mais lento e rarefeito: em mostras de cinemas de arte, cinematecas, cineclubes, etc. E, portanto, consistia num maior desafio. Hoje, um cinéfilo, pode acessar quase qualquer cinemateca nacional via internet. Pode, sem sair de casa, ter acesso a filmes raríssimos, que seriam quase ganhar na loteria poder assisti-los só uns poucos anos atrás.
Mas, se isso é extremamente sedutor por um lado, por outro também preocupa. Afinal, dentro da incomensurabilidade da internet é preciso estabelecer limites, traçar recortes, fazer escolhas, sob pena de tentar abraçar “tudo”. E “tudo” não se dá ao abraço, sem que se perca um bocado. Sem que se perca uma atenção, de fato, mais consequente.
Atenção, sobretudo, com processos que não são ou não foram virtuais. Que datam de antes da chegada da “virtuália”. Que, sem dúvida, vão ser afetados por ela. Mas precisam ser trabalhados com um razoável grau de distanciamento e radicação.
Conversando com jovens realizadores cearenses de audiovisual ou assistindo às suas produções percebo uma grande e saudável abertura para o cosmopolitismo, para a informação nova, venha ela de onde vier—Irã, Bélgica, Taiwan, China, Argentina, África, Leste Europeu, etc. Mas do contrário, vejo também uma resistência muito forte a buscar situar-se melhor diante de referências locais. Enquanto especificidade histórica no mapa. E não falo, aqui, de regionalismos tacanhos. Mas justamente no indecifrável charme que há em tingir todo esse cosmopolitismo de cores locais. Ou vice-versa.
Essa defasagem—ausência sistemática dos assuntos locais diante de veios cosmopolitas, com as exceções de praxe—tem, de resto, sido fomentada por uma linha didática, tanto em algumas ONG's quanto na principal escola de formação local [Vila das Artes], que concede muito pouca ênfase a aspectos locais [históricos, etnográficos, etc.] Os únicos assuntos a propiciar um trabalho que seja verdadeiramente cosmopolita: o sentido de vincular à informação que vem de fora, o saber local. Sem isso, o audiovisual vira uma espécie de “vale-tudo”. Mas um “vale-tudo”, cujos códigos – supostamente de vanguarda – só são decifrados, compartilhados ou referendados por uma pequena leva de esotéricos ou iniciados. Gente que faz audiovisual. Não sei se isso é sábio. Acho que não é.
Porque não é interessante, aqui, qualquer saber. Senão, um saber esteado em uma tradição. Uma tradição coletiva. Por menos que essa expressão nos soe alvissareira nos lábios ou no ouvido, hoje em dia.
Os estados brasileiros que conseguirem conjugar melhor, no plano do audiovisual, o emprego desses novos recursos [que se renovam vertiginosamente e possibilitam a um contingente bem mais amplo de grupos e indivíduos a feição de uma peça audiovisual] consorciando-os às suas respectivas bases históricas, culturais, saltarão corpos e corpos adiante dos demais, onde só o deslumbre com as novas tecnologias e com os experimentos de vanguarda soam como falsas sereias que o tempo encarregar-se-á de repôr no devido lugar.
Não como um testemunho forte. Recorrentemente buscado, como atestado de memória, inteligência e integridade. Mas como mera curiosidade de época. Como os cabelos no laquê, o bambolê, o bombom-chicles, o Kichute, o Crush, a calça boca-de-sino, a profusão de twitters na porta do carro, os óculos 3D, o Homem de Seis Milhões de Dólares, certas gírias, as vinhetas de Hans Donner, etc.
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