quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Reflexões retardadas sobre um veículo "adiantado"


Hein van Dam, Carolien Vlieger, 2002


Sete retalhos sobre blogues e bosques


i. A inversão da lógica do livro

Uma das coisas mais notáveis num blogue é que as postagens mais recentes são sempre as primeiras. Ao contrário de um livro ou de um caderno de notas. Num blogue você é educado para não rememorar. Para esquecer. Quando se acessa a página, o que há de mais novo, que é na verdade a coisa mais velha que você registrou -- sim, porque você está pelo menos alguns minutos mais velho, experiente, cético e desencantado -- vêm primeiro. Mas todo mundo acha que é a novidade. E prossegue muito satisfeito até outros blogues fazendo uma salada dos diabos.

ii. Mamãe, eu quero blogar

O princípio do blogue é o do descartável. Tudo que escapa a essa descartabilidade destoa num blogue. Mas é exatamente isso que destoa o que de fato importa. Quer dizer, algo que requer atenção. Precisamente o que o leitor de blogue --- que também é blogueiro --- não tem. Ele parece uma criança. Curiosíssima, mas incapaz de deter a atenção em algo por muito tempo.

iii. Rever teu rosto debruçado à curva da manhã e não da manha

Outro ponto notável no blogue é que você pode revisá-lo a qualquer instante. Isso é excelente para obcecados e tradutores de poesia. Mas, na prática, perfeitamente dispensável, porque os blogueiros nunca lêem as postagens mais de uma vez. E, aqui, se pode pensar no rancor que o blogue despertaria entre aqueles que tinham de compor tipo a tipo o texto a ser impresso. Isso também transforma o blogue numa sorte de fotografia completamente manipulável, e, logo, sem nenhuma força de testemunho. Lhe retira toda a autoridade, tornando-o apenas um brinquedo tão mais descartável quanto mais possível de manipular.

iv. As árvores permanecem lá, não se transformam em metáforas

Talvez a melhor coisa do blogue seja a não necessidade de se gastar papel. Quer dizer, bosques inteiros vão ser salvos por blogues. Antes, eram sacrificados apenas para se pôr algumas manchas em cima. Ou seja, para se pôr as coisas mortas sobre as vivas.

v. Querida, você vai apagar o livro, mas não esqueça de palitar os dentes

A publicação, via blogue, deixou o decisivo de lado. O blogue, ao contrário do livro, pode ser facilmente apagado diante dos olhos dos leitores. Basta quem escreve decidir que não quer mais ser lido, dar três cliques e pronto. Isso é fundamental para aferir o grau de exigência final do que segue postado. Para alterar a relação entre o leitor e a morte. O escritor tinha de pôr sua alma entre as letras. O blogueiro sabe que não só pode revisar essa alma a qualquer instante, como tirá-la completamente do ar. O blogueiro é dono da vida e da morte de seu "livro", como antes o escritor não era.


vi. Posso fazer assim, assado, cozido, trinchado e acabo não fazendo nada

No blogue, as possibilidades são imensas. Mas são cada vez mais só possibilidades.

vii. Uma última palavra

O blogue e o número sete têm muito em comum.


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