quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Quem ouve o que sai de outro lábio?


Alfredo Chighine, Composizione con palma, 1960



Salmo-Soneto escrito num Domingo de Carnaval Chuvoso



Os dias se consomem feito fumaça,

O pulso sem seiva, erva no estio,

Pardal avulso nas telhas vigio

Os inimigos tramarem a desgraça.

A sombra, mesmo à tarde, se esgarça;

Quem ouve o que sai de outro lábio:

Queixa do justo, choro do sábio,

Toda justa palavra jogada à traça?

Tudo que escrevo se toma à troça,

São cinzas o fermento para o pão

E de pranto o tempero no copo.

O que ajuntei no tempo me roça

O rosto, fumaça que molha aflição

Na terra breve por onde galopo.



* * *



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