[s/i/c]
micro-ensaio
Das ameaças gnósticas em arte
Pode-se tomar a música de vanguarda para compreender como o artista contemporâneo voltou-se para um especialismo que encontra apenas num contingente de iniciados o seu público. Ou seja, um público mais amplo é mantido ex-officio de seu trabalho. E é daqui que é possível retirar o quanto um suposto vanguardismo árido tem dominado certas esferas de arte. E que o principal problema desse vanguardismo é o de não manter mais contato com a realidade ao se isolar em códigos que só podem ser compartidos por um grupo extremamente restrito. Não se trata mais de uma arte desumanizada à Ortega y Gasset. Trata-se de uma arte inteiramente desencarnada. E por isolamento.
Tudo que começa a se tornar muito endógeno, conduz a uma espécie de gnosticismo. Algo para iniciados. Não trata a obra com emoliência, generosidade, flexibilidade necessárias para que esta se comprometa, de fato, com uma audiência mais ampla, capaz de nela se reconhecer. E logo, não visa, ao menos em alusão, o todo. E visando apenas o fragmento esotérico, partilhado apenas pelo bando, não mais visa o real.
Eis um grande problema para quem lida com arte, com criação, hoje em dia. Na medida em que se segue encerrado, sectariamente, num grupelho desses, a tendência do artista é a de pensar que todos estão aptos a fruir um discurso que, por suas próprias limitações, não pode transluzir as idiossincrasias de cada um dos componentes do grupo. Mesmo quando somadas. Algo que não faz sentido para além do grupo. Para além de seus códigos. Está aprisionado, sem volta, a esse grupo. E, claro, no fim de tudo, o que se perde é uma das melhores capacidades que um artista ou um grupo de artistas pode ter: empatia.
Empatia é tudo que se abre para além da conversa viciada e sectária que caracteriza um grupo de qualquer modalidade. Em especial, um que se encontra excessivamente sequioso por reconhecimento, ou excessivamente fascinado por sua própria produção de discurso ou alcance de poder. E essa limitação se instala, porque não se percebe que se está trabalhando em uma espécie de cápsula, de mônada teórica, perfeitamente inadequada para traduzir realidade. Porque se está dentro de uma bolha solipsista cuja membrana não trisca em limiar algum da realidade histórica contingente, mutável. É como se os pensamentos estivessem, para sempre, recolhidos ao curral do próprio crânio.
Sem idéias capazes de enganchar suas premissas num cotidiano mais amplo, povoado também por não-artistas, não se vai longe. E, então, mesmo quando o grupo alardeia um maior teor cosmopolita, seus integrantes já se encontram cegos demais para perceber o quão estão encerrados nas paróquias de seus próprios conceitos e procedimentos, como sementes que permanecerão para sempre encravadas na polpa de frutas que sazonarão antes do desfrute.
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Ruy, bem legal teu espaço-blog, com lances de boa tradução. de lambuja, tiras para um debate sobre os "solipsismos contemporâneos". questiono, à guisa de provocaçam, se esse pretendido buraco na bolha solipsista não resulta em uma inócua edulcoração do "biscoito fino da cultura". falo isso porque inúmeras outras linguagens passeiam livremente sob a capa de seus códigos, cagando e andando para a empatia ou algum outro aproveitamente mundano. será que a isca que estão lançando contra a "arte vazia" tá pegando todo mundo? rsrsr abração
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