[s/i/c]
Talk Is Cheap
Mais do que nunca, há um público que frui mais a conversa sobre a obra de arte que a obra de arte em si. Há um mercado de conversas sobre arte e compradores ávidos. Um mercado que se amplia esteado numa profusão de teorias acadêmicas que referem produções artísticas de duvidosa radicação histórica ou traveste-se de má retórica por trás de intrincados circuitos de "interpretação". Ainda assim, ouvidos desejam entupir-se de "novos conceitos".
O ponto é não atentar para legitimidade, validade, coerência e sinceridade desses conceitos. Esse tipo de discurso, de conversa, retroalimenta-se numa velocidade espantosa. Há gente que vive desses sofismas, dessas frases de efeito. Aos furos num queijo coalho chamam, digamos, "coágulo com vacâncias de tempo". O perigo dessas renomeações vazias é análogo ao das inconsistências políticas de um para outro mandato quando a máquina da administração muda de mando. E até mesmo os melhores programas e esforços ensaiados ou são renomeados (para se reganhar a originalidade da autoria) ou desvirtuados, ou ainda completamente esvaziados e extintos de suas potencialidades (quando esse reganho está indissociavelmente ligado à facção adversária).
O noves fora dessas arengas sobre cultura consiste em dois rumos: i. uma sorte de prazer: negar por negar. [negar apenas para alimentar a indústria do pensamento - já há décadas engessada no tempo vazio da academia. E, logo, negar até mesmo o que vale a pena ser resgatado e reabilitado pela pujança da memória]; e ii. os habituais, inconfessáveis interesses pessoais de poder e prestígio investidos nem tanto na criação mas na capitalização do impacto, da ressonância atingida. Vivemos numa época em que tornar-se personalidade pública está ao alcance de todos. Uma espécie de democracia da mediocridade.
Quer dizer, trata-se, ao fim de tudo, de negar consequência e desdobramento históricos ao que merece ser desdobrado e sequenciado no plano da boa promessa. A criação de conceitos sem lastro histórico converteu-se em moeda corrente. Uma espécie de praga. Ir a um simpósio, a um seminário, a uma palestra, a uma comunicação, a uma oficina e sair desses eventos tendo ouvido algo, de fato, consequente, enriquecedor é uma ocasião cada vez mais rara.
Porém tirar algo de sumarento dessas conversas exige um exercício de filtragem que tanto é mais bemvindo quanto mais exercitado com a transigência de tudo que aponta para a memória, a experiência e a história de uma coletividade.
Paradoxalmente, essa transigência requer certa dose básica de inflexibilidade. A bemvinda intransigência dos que se negam a fazer da área cultural apenas um espelho da política institucionalizada - com todos seus ritos laicos de lambuja, seu teor privilegista e pseudo-personalizador. A intransigência que é cada vez mais uma tímida (mas bemvinda) reação de consciência: responder com um redondo e sonoro NÃO á litania desses discursos sem qualquer grau de prioridade, que confundem a mais rasteira politicagem com arte ou polítca. Pois a litania desses discursos não resgaurda qualquer vínculo com a comunalidade, o cotidiano, o 'senso comum', o mínimo, a pobreza de experiência e a indigência de sensibilidade que ainda nos restaram. Conceitos como 'identidade', 'transdisciplinaridade', 'preconceito', etc. viraram uma espécie de má alegoria, no sentido de poderem apontar para tudo e, a rigor, desviar-se de qualquer compromisso histórico em relação à própria língua, à realidade em torno ou seu lento processo de consolidação histórica.
A certa altura, num momento de perigo, Simone Weil nos diz que "é preciso aceitar a situação que nos cabe e nos submete a obrigações absolutas para com coisas relativas". Um dos maiores problemas desses discursos enfadonhos, de outro modo, foi o de haver convertido essas "obrigações absolutas" em "obrigações relativas". Em parte, pela inaptidão ao sacrifício. Outro dia, na TV, podia-se ouvir - no contexto de mulheres que se separam na meia-idade - um ato, de resto, louvável, saudável mesmo na maioria dos casos - uma frase, filha dileta desse estado de coisas: "o sofrimento é inevitável, mas a dor é opcional". O ponto, aqui, é chegar, através dessa cadeia relativista, até mesmo a um sofrimento asséptico, indolor. Isso é possível?
A resposta é: NÃO!
Mas, cada vez mais, a mesa posta está para que a resposta seja: SIM! E à francesa. É a fórmula encontrada para que não sejamos nossos próprios testemunhos. Ou para que nos esquivemos de responsabilidade em relação aos testemunhos dos testemunhos passados.
* * *
O ponto é não atentar para legitimidade, validade, coerência e sinceridade desses conceitos. Esse tipo de discurso, de conversa, retroalimenta-se numa velocidade espantosa. Há gente que vive desses sofismas, dessas frases de efeito. Aos furos num queijo coalho chamam, digamos, "coágulo com vacâncias de tempo". O perigo dessas renomeações vazias é análogo ao das inconsistências políticas de um para outro mandato quando a máquina da administração muda de mando. E até mesmo os melhores programas e esforços ensaiados ou são renomeados (para se reganhar a originalidade da autoria) ou desvirtuados, ou ainda completamente esvaziados e extintos de suas potencialidades (quando esse reganho está indissociavelmente ligado à facção adversária).
O noves fora dessas arengas sobre cultura consiste em dois rumos: i. uma sorte de prazer: negar por negar. [negar apenas para alimentar a indústria do pensamento - já há décadas engessada no tempo vazio da academia. E, logo, negar até mesmo o que vale a pena ser resgatado e reabilitado pela pujança da memória]; e ii. os habituais, inconfessáveis interesses pessoais de poder e prestígio investidos nem tanto na criação mas na capitalização do impacto, da ressonância atingida. Vivemos numa época em que tornar-se personalidade pública está ao alcance de todos. Uma espécie de democracia da mediocridade.
Quer dizer, trata-se, ao fim de tudo, de negar consequência e desdobramento históricos ao que merece ser desdobrado e sequenciado no plano da boa promessa. A criação de conceitos sem lastro histórico converteu-se em moeda corrente. Uma espécie de praga. Ir a um simpósio, a um seminário, a uma palestra, a uma comunicação, a uma oficina e sair desses eventos tendo ouvido algo, de fato, consequente, enriquecedor é uma ocasião cada vez mais rara.
Porém tirar algo de sumarento dessas conversas exige um exercício de filtragem que tanto é mais bemvindo quanto mais exercitado com a transigência de tudo que aponta para a memória, a experiência e a história de uma coletividade.
Paradoxalmente, essa transigência requer certa dose básica de inflexibilidade. A bemvinda intransigência dos que se negam a fazer da área cultural apenas um espelho da política institucionalizada - com todos seus ritos laicos de lambuja, seu teor privilegista e pseudo-personalizador. A intransigência que é cada vez mais uma tímida (mas bemvinda) reação de consciência: responder com um redondo e sonoro NÃO á litania desses discursos sem qualquer grau de prioridade, que confundem a mais rasteira politicagem com arte ou polítca. Pois a litania desses discursos não resgaurda qualquer vínculo com a comunalidade, o cotidiano, o 'senso comum', o mínimo, a pobreza de experiência e a indigência de sensibilidade que ainda nos restaram. Conceitos como 'identidade', 'transdisciplinaridade', 'preconceito', etc. viraram uma espécie de má alegoria, no sentido de poderem apontar para tudo e, a rigor, desviar-se de qualquer compromisso histórico em relação à própria língua, à realidade em torno ou seu lento processo de consolidação histórica.
A certa altura, num momento de perigo, Simone Weil nos diz que "é preciso aceitar a situação que nos cabe e nos submete a obrigações absolutas para com coisas relativas". Um dos maiores problemas desses discursos enfadonhos, de outro modo, foi o de haver convertido essas "obrigações absolutas" em "obrigações relativas". Em parte, pela inaptidão ao sacrifício. Outro dia, na TV, podia-se ouvir - no contexto de mulheres que se separam na meia-idade - um ato, de resto, louvável, saudável mesmo na maioria dos casos - uma frase, filha dileta desse estado de coisas: "o sofrimento é inevitável, mas a dor é opcional". O ponto, aqui, é chegar, através dessa cadeia relativista, até mesmo a um sofrimento asséptico, indolor. Isso é possível?
A resposta é: NÃO!
Mas, cada vez mais, a mesa posta está para que a resposta seja: SIM! E à francesa. É a fórmula encontrada para que não sejamos nossos próprios testemunhos. Ou para que nos esquivemos de responsabilidade em relação aos testemunhos dos testemunhos passados.
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