domingo, 30 de setembro de 2012

sábado, 29 de setembro de 2012

3 opções a opções




teria de mudar de ramo
ou no mínimo de rumo
teria de cair da cama
ou seria o cúmulo
teria de levar ferro
ou no mínimo fumo 

Nem sempre fui assim




nem sempre fui assim
enrascado de nascença
trancado dentro de mim
no escuro dessa despensa


O argueiro, a trave




então andou um bocado
auto-complacente
olhando o mal-feito do lado
sem olhar o seu de frente

A Fenda (Segundo Cebolinha?)

Capa do Lp Todos os Olhos, de Tom Zé, 1973


eras tão grande 
quanto a cena
mas para glande
eras pequena

O Paradoxo





e nem é isso
sou forte
lhe garanto
ela disse
em corte seco
sem xaveco
antes de
cair no pranto 

Ainda Sobre Gabriela 2012



esqueci de dizer no artigo sobre Gabriela, até porque não estavam muito nítidos:

-Zarolha (Leona Cavalli) tem um sotaque deplorável

-Os ingredientes de folhetim adicionados fazem mais sucesso, e pegam mais no breu que a trama original do romance. À notável exceção do episódio do Dr. Osmundo e Dona Sinhazinha. Mas estes morreram ainda de junho para julho, no ano da novela. Ontem, já estávamos para lá do Ano Novo seguinte, e as irmãs dos Reis já demontavam o presépio. E além deles, só o idílio entre o Professor Josué e Glorinha, dentre os personagens originais, garante algum pano para manga. Por outro lado,  o invertido Miss Pirangi (Gero Camilo) e o romance entre Lindinalva e Juvenal roubam a cena e garantem audiência

-A caricatura-mor dos coronéis torna-se popular e até figura cômica na pessoa de Wilker

-Ele polariza com Dona Doroteia Leal, encarnada pela veterana Laura Cardoso, sempre mascando um "Jesus, Maria, José". Laura compõe personagens muito rentes entre si. Senão a mesma. De uma para outra novela. Uma velha amarga e maliciosa, um tanto desbocada. Mas que assusta e fascina pela abjeção que desperta. Cardoso é o tipo da atriz ideal para folhetim. E isso, no entanto, não é nenhum demérito. É bem mais um elogio. Pois muito desses atores põem seu fetiche de qualidade em um teatro que será esquecido, enquanto o folhetim eletrônico, que desprezam, é o que interessará o futuro quase que exclusivamente. E é quem, de fato, os irá preservar no formol da memória

-No capítulo de ontem houve um momento em que estavam a conversar na igreja Mundinho (Mateus Solano), Dona Conceição (Vera Zimmermann) e Gerusa (Luiza Valdetaro). E é curioso que ao menos os dois primeiros venham de famílias judias. E, no caso de Solano, uma mistura entre judeus e nordestinos (os Carneiro da Cunha da Zona da Mata, mencionados no Fogo Morto de José Lins do Rego)

-Por fim, Vera Zimmermann, a mãe de Gerusa na trama, é a musa de “Vera Gata”, canção de Caetano aí dos 80. Dá certa nostalgia vê-la sob a melodia de “Coração Ateu” toando numa gaita ao fundo. (A manutenção da trilha sonora original não tem como não bulir com saudades que não gravitavam em torno da gente faz tempo. E, de repente, despertam da hibernação. Ah, latências).


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Três é pouco, Lua, Joia e Sol na Moleira




Quando Três Não É Demais, Longe Disso
O presidente da Gol diz que três companhias é demais no setor aéreo.
Não é não. O preço das tarifas é que é demais. E para um serviço de menos. Então, a solução passa por mais companhias em vez de más companhias. Seis. Nove. Doze. Um país minúsculo como o Nepal tem doze companhias domésticas. Doze. E é provável que se comparássemos as tarifas de vôos nepalesas com as nossas, dimensionaríamos melhor as coisas. Todo mundo sabe: é muito melhor e mais em conta voar nos Estados Unidos ou na Europa. Às vezes por 1/3 ou 1/5  do preço do que se voa nesse oligopólio interno de Itapemirins voadores. O que a Gol - que, aliás, oferece um serviço de péssima qualidade - teme? 
Um pouquinho mais de eficiência? Às vezes - nem sempre, vejam o caso da telefonia móvel - um pouco de concorrência opera milagres. Se muitas vezes não é o caso de os serviços se tornarem mais dignos, ao menos há uma tendência para uma queda nos preços.
*
A 71ª
Lua Blanco foi TT mundial ao se descobrir que seu verdadeiro nome era Adelaide Fonseca. (Havia uma sorte de inexplicável prazer das pessoas em constatar isso). Eu não sabia quem era Lua Blanco. E fui à Wikipédia. Entre outras coisas o verbete dizia que “em 2012, na votação popular promovida pelo SBT para escolha do Maior Brasileiro de Todos os Tempos, Lua Blanco ficou em 71º lugar”. A vida tem dessas coisas. 
**
Atenção: Não Vote em Joia – 36036
O sujeito é um tremendo poluidor sonoro. Ao longo da semana, um automóvel, cuspindo infames jingles de campanha, passa aqui pela rua, quebrando a paz e o sossego. E atazanando a vida de cristãos e pagãos. 
***
Sol na Moleira Alheia é Refresco
Ontem a Fifa divulgou os horários dos jogos da Copa de 2014. E há vários jogos às 13hs em cidades do Nordeste. Será que alguma vez os executivos da Fifa já caminharam por Fortaleza, Natal, Recife ou Salvador a uma da tarde?

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Vós quereis tchu, vós quereis tcha



E quando se contempla a origem de tudo, vê-se a enorme evolução da língua. Em delicadeza, sugestão, sutileza. O latim em pó emprestando-se ao mingau que amamenta formas. E o que é de hoje, bem poderia ser posto em vestes d'antanho, sem nada dever, tirar, por:



Cantar d'Amor (Quereis Tchu, Quereis Tcha)

Vós quereis tchu, vós quereis tcha
Vós quereis tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha
Tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha (2x)

Vós llegastes en el adro, doudinos por vo'sanhar,
Igual que vossos pares, lo anseio u'sa'por bailar
Una velida vos llamou: hazei un tchu tcha tcha
Indagastes: –Lo que vien'a ser tal ren?
Disse-vos ella: Vinde, ensinar-vos-hey.
Es un passo bien fremoso, en Vigo todos yá baillan,
En Pontevedra explotó, en Ourense yá bonbó,
En Asturias las niñas hazen, nel verano s'es'tra zoar,
Entonces haceis el tchu, haceis el tcha, tod'el Reyno cantará.

Vós quereis tchu, vós quereis tcha
Vós quereis tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha
Tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha (2x)


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Tudo que vocês precisam: quem seriam os Beatles?





Nos bastidores menos vendáveis aos fãs, McCartney é um homem de negócios acima de tudo e intransigente. Duro e de olhos frios. Numa linha um tanto Scrooge McDuck, dizem as más línguas. E não à toa tomou para si judias na hora de casar, complementam. Lennon, o que pedia uma chance à paz, o que dizia que tudo que precisamos é amor, quase esganou uma garçonete numa boate em Los Angeles. E à época abriu-se um processo por agressão, que depois foi devidamente “arquivado”. O poder de barganha beatle não é pequeno, alegam. Ringo, longe de ser o mau músico que muitos apregoam, era apenas alguém sem muita força de opinião. Mais de um biógrafo assegura que George comeu a mulher de Ringo na frente do próprio baterista. Fazia parte da pantomima.

Talvez se a gente soubesse dos negócios que estavam em risco e gravitavam em torno dos de Liverpool, boa parte do glamour evaporasse. E nem a música fosse capaz de resgatar a coisa toda. Ou soar como hino apaziguador. Seria como imaginar algo perto de Bernie Ecclestone e a Fórmula-1, só que transpostos para o show-business. Mas, quem sabe, melhor não. Fiquemos com a música, que, segundo dizem, era apenas a ponta do iceberg. E nem por sombras o aspecto mais rentável da montanha e do álbum brancos. Ou mesmo o mais importante em jogo. Mais ou menos como o futebol para a CBF.¹ Mas para quê investigar detalhes de fundo se a gente pode ficar só com a superfície musical do monstro, é o argumento de alguns. E ao que parece, não um mau argumento para os que querem preservar as doces mitologias da juventude.

E, de todo modo, George parece ter tido um abrasivo senso de humor. Em sua auto-biografia, Pattie Boyd reivindica ser a musa de "Something". Ao que Harrison contraditou, dizendo que, se tinha alguém em quem pensava, quando compôs a canção, era em Ray Charles. Quer dizer, na música sendo cantada pelo grande intérprete negro. Anos antes, e Sinatra já havia decretado que “Something” era a coisa mais linda que a dupla Lennon/McCartney havia composto. E a seguir, depois de Sinatra gravá-la, George tomou conhecimento da maneira como o intérprete de “New York, New York” cantava certo verso do chorus de “Something”. Ao invés de "You stick around now it may show", Olhos Azuis costumava tascar um: "You stick around, Jack, she might show". Harrison, por galhofa, nas suas próprias apresentações, adotou em parte o verso deturpado por Sinatra. Aliás, frisando bastante o tal Jack: "You stick around, Jack, you may show". E é assim que a gente o ouve, empunhando uma telecaster, numa gig de vinte anos atrás em Londres:





_________________________________
¹Que amor aqueles caras têm pelo futebol? Não são eles que tanto se esforçam por destruí-lo com zelo e requintes?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Wish I was Bob Dylan: Robert Creeley


Marisol, John Wayne, 1963

Em um trecho de seu poema “In London”, Robert Creeley, herói de uma geração, diz assim: 

[…]


Wish Joan Baez was here
singing “Tears of Rage” in my ear.
Wish I was Bob Dylan
He's got a subtle mind.
I keep coming—
I keep combing my hair.
Peter Grimes
Disraeli Gears
That tidy habit of sound
relations—must be in the
very works,* like.
*Words work
the author of many pieces
Wish I could snap pix in
my mind forever of roofs out
window. Print on endurable paper, etc.
With delight he realized
his shirt would last him.
I'll get home in 'em.
The song of such energy
invites me. The song
of

THERE is a space
of trees—

long since, all
there—

Este é o fragmento final. E o poema, escrito em fins dos 60, assoma inusualmente longo para os padrões de Creeley. Mas não à margem da dolorida compressão. Do desorientante minimalismo do mestre. De como ele praticamente chega à abstração a partir do coloquial, da gíria, da expressão corrente levemente modificada pelo deslocamento de uma partícula, e, logo, desfamiliarizada pelo itinerário de uma auto-consciência perto de impiedosa. E então Creeley contrasta a outros contextos, esse coloquialismo, monstrualizando-o, estranhando-o ainda mais. 
Além disso,  "In London", como para barrar os sectários de uma estética - difícil imaginá-lo filiado a um partido político, defensor intransigente de um parti-pris estético, que ele até possuía em nitidez especialmente quando jovem, mas com um invejável respeito por quem pensa e age ao largo - é dedicado a poetas da extensão, do derramamento, do surreal: Lorca e seu discípulo tradutor norte-americano, Robert Bly – companheiro de geração de Creeley e um homem obcecado pelos mitos. Mas também alguém que vai por uma poética antípoda à do autor de For Love, com sua concisão, versos tersos, extraordinário minimalismo e disposição para o epigrama.
E, no entanto, o que o trecho acima revela?
Certo ressentimento que mesmo um poeta de vanguarda não pode esquivar-se de sentir diante do músico, do letrista ou do libretista, já que além de músicos pop (Baez, Cream, o próprio Dylan) ele também cita a ópera de Benjamin Britten. E, então, ressentimento. Mais ou menos como o de Leminski diante de Caetano Veloso. E Leminski tanto sentia esse ressentimento que tratou de compor algumas canções e usar um pouco o violão. E Caetano, que bem pressentia com quem estava lidando, tratou de gravar “Verdura”, cuja música – não só a letra – também é de Leminski. E "Verdura" não é má canção. Mas devia ser exceção no modo de Leminski produzir. Afinal, se produzisse mais canções que poemas, ficção, ensaios, se pusesse mais empenho nisso, Leminski seria compositor ou letrista pop, o que ele era apenas secundariamente. 
E então, teria de mudar de ramo, de algum modo. E treinar dar mais autógrafos. Ou assumir que o que desejava, no fundo, era apenas a notoriedade, que o músico pop tem em doses bem mais cavalares que o poeta (de vanguarda ou não). Ainda quando o poeta de vanguarda, no caso, seja tão pop quanto Leminski ou Creeley era.
Não é emblemático que um poeta de vanguarda como Creeley almeje ser Bob Dylan? O alcance de Dylan, sua audiência, são desmesurados se postos em parelha aos de Creeley. Aos de Creeley, que ainda em vida, na maturidade, foi um dos mais festejados poetas dos Estados Unidos.

E ainda assim, que poeta irá ficar? (Ou melhor: irá ficar algum? É importante que fique alguém? E para quê? Para quem? E essa hierarquia? Quem vai lembrar de versinhos numa era em que qualquer criança pode assistir aos vídeos que bem entender? E praticamente teletransportar-se sem sair do lugar. Quem será literatura no tempo em que a literatura for totalmente alheia ao modo como a concebemos hoje? E quem a for não será fatalmente um esquecível passado? E, então, por que tentar descobrir os funcionamentos e leis da poesia se se esquece de escrevê-la? Ou mesmo se essa tarefa custa a própria margem de espontaneidade e intuição (não ingênuas) necessárias para sua escritura?)

Há muitas dúvidas. Há um excesso de dúvidas. E em nenhum momento parecemos dispostos a tornar mais claro o panorama. A indecisão, hesitação, a dúvida viraram norma. Mais que isso, são cultivadas e assume-se uma alergia por qualquer conclusão. Como se a conclusão em si fosse má coisa.

Hoje em dia as dúvidas vão e vêm sobre o corpo carcomido do heroísmo e da vanguarda.¹ Talvez em grau ainda mais vertiginoso que em qualquer passado momento. Antes era tão mais fácil decretar que a arte era isso; poesia, aquilo; vanguarda, aqueloutro. Música, bem todo mundo sabe o que é, ainda hoje. Ainda bem.

E vanguarda para quê, se a poesia está sempre ao alcance de todos, a qualquer momento, em qualquer lugar? Qual a possibilidade, a plausibilidade de vanguarda? Já não seria vanguarda reconhecer ou conhecer, ao menos parcialmente, as antigas normas de funcionamento de uma expressão, de uma modalidade de expressão? Creeley ao fim da vida retornou a procedimentos bastante "poéticos" que rejeitara em certo momento: a assonância, a rima, certa medida menos aleatória...Coisa que muito "artista" hoje em dia sequer conhece. E mesmo esse conhecimento será imprescindível apenas para que não se pratique uma poesia ingênua ou tolamente rendida a torpes conceitos reouvidos em seminários de pós-graduação? Ora, a vanguarda consistia numa atitude. Ela não brota apenas de livros. Ou apenas das experiências de vida. Dificilmente confundia-se, de um lado, com a ingenuidade auto-complacente de Bukowski (vida), ou, do outro, com a poesia pós-graduada de alguns dos L=A=N=G=U=A=G=E poets (teoria, informação). 



---------------------------
¹Nem citemos a universidade, que, como de uso, é de onde mais provem ficção travestida de "ciência", embora muitos ainda se tomem profundamente a sério. E sejam quase sempre estes os produtores de subteorias apenas fastidiosas. (E de ficções feridas de morte em espírito e em invenção). Pensem, por exemplo, na verdadeira obsessão que as ciências socias têm por metodologia. E não será isso uma confissão explícita de insegurança quanto ao tal propalado objeto de "ciência"?

There she is,/ old friend Liz: Creeley


Susan Rothenberg, 2005

A Wicker Basket

Comes the time when it's later
and onto your table the headwaiter
puts the bill, and very soon after
rings out the sound of lively laughter--

Picking up change, hands like a walrus,
and a face like a barndoor's,
and a head without any apparent size,
nothing but two eyes--

So that's you, man,
or me. I make it as I can,
I pick up, I go
faster than they know--

Out the door, the street like a night,
any night, and no one in sight,
but then, well, there she is,
old friend Liz--

And she opens the door of her cadillac,
I step in back,
and we're gone.
She turns me on--

There are very huge stars, man, in the sky,
and from somewhere very far off someone hands
me a slice of apple pie,
with a gob of white, white ice cream on top of it,
and I eat it--

Slowly. And while certainly
they are laughing at me, and all around me is racket
of these cats not making it, I make it

in my wicker basket.


Robert Creeley


________________________________
Agora, no returno, em que já há suficiente educação, talvez não haja mais necessidade de tradução. E se há na rede uma boa e sólida introdução aos modos e peças da poesia de creeley, aí segue o linque:


domingo, 23 de setembro de 2012

Imobilidade e Criação (ou O Paradoxo das Contas)


Marisol, 1993

Tenho para mim que a única arte moderna a ser lembrada no futuro não será o cinema, mas o futebol. E, ainda assim, para criar alguma coisa no futebol, dificilmente é necessária a imobilidade. A tal vida contemplativa. 

Ainda bem, não temos um poeta laureado, como os ingleses. Candidatos não faltariam. Temos, isso sim, um craque laureado, o que é muito menos subjetivo, convenhamos. Além disso, o craque laureado ganha um caminhão de dinheiro. E, o melhor, nem um centavo dessa grana vem do contribuinte, via mecenato estatal, como na Inglaterra.

Vejam Neymar, o atual “artista” nacional. Neymar tem causado polêmica nos últimos tempos. E não por suas mobilidades, que, no geral, sobre um gramado, até que nos encantam: criando chances de gol, assistindo-as, serrando espaços onde não há, esquivando-se pelos desfiladeiros enzagueirados, achando brechas no muro de pedra, convertendo gols. Mas precisamente por uma imobilidade. Como podem ser criativas também as vidas que apenas contemplam, mesmo no caso de um futebolista!

Quando do nascimento de seu filho – que não foi propriamente fruto de uma imobilidade - há pouco mais de um ano, Neymar fez o obstetra fechar a clínica só para si e a futura mamãe. Isso implicou em salas vazias, equipamentos ociosos. Em certa imobilidade-ambiente. Preço: R$ 45.00,00. Uma bagatela, que teria custado nadicas, se Neymar houvesse lançado mão de seu plano de saúde, entrado na fila, agendado dia e hora. Como os demais brasileiros. Mais ou menos imóveis. Suando sob o sol.

O problema é que, de acordo com o médico, Neymar ainda não pagou a conta. Ele está sendo processado por essa imobilidade, deveras criativa. Criativa para o bolso do próprio Neymar. Sem dúvida.

E logo ele, tão lépido em campo. Tão fagueiro diante dos microfones abertos ao pós-jogo. E por que demora em criar um pagamento?

E não há um problema crônico aqui? O médico, que não parece lá grande coisa com uma bola nos pés, por fim mobilizou-se. E acusou Neymar de mau pagador. E até entrou com um processo na justiça. Periga ganhar o jogo. A celeuma foi parar na imprensa marrom e não tão marrom assim. E tome processo.

Fosse Neymar Zenão, teria outras defesas. Sabe como? Instaurando um paradoxo do futebol. Há o infinito entre o 0x0 e o 1x0, etc.

Ou talvez um outro paradoxo: o das contas a pagar. 

É, pensando melhor, este último seria um paradoxo bastante disputado.

sábado, 22 de setembro de 2012

Sociologia da Participação Digital




Em linhas gerais pode-se ilustrar a participação dos leitores de um grande jornal ou portal de notícias, tomando esta como boa amostra:

Notícia (em resumo):

Pesquisa recém-conluída nos Estados Unidos assegura que pessoas que têm o sangue do tipo O são menos vulneráveis a problemas cardíacos do que quem possui sangue A, B, e AB.

Comentários (mais ou menos previsíveis):

Responder – Denunciar
Está aí uma pesquisa extremamente útil e confiável feita em Harvard.
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Jorge José da Silva 25/09/2012 às 10h57

Responder – Denunciar
Ai, to ferrado! O meu tipo sanguíneo é AB+. Essas pesquisas só servem para deixar a gente preocupado. Só enxaqueca!
O comentário não representa a opinião do jornal; a responsabilidade etc.
Fulano de Tal, em 27/09/1012 às 10h58
por facebook/twitter

Responder – Denunciar
Ou seja, posso mandar meu cardiologista às favas e continuar minha dieta à base de torresminhos, churrasco e cerveja? Ótimo!!!! :D Mais notícias como esta, Jornal Y, por favor
O comentário, não representa, etc.
Sicrana de Tal dos Anzóis – 18/05/1912 às 10h59

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Canarinho




Eu nunca estudei no Canarinho. É uma das minhas frustrações. Quando viemos morar em Fortaleza, em 1974, só havia até a 4ª série lá. E eu já vinha para a 5ª. Ou seja, para começar o antigo ginásio.

Mas ao retornar do General Osório, eu passava bem em frente ao Canarinho, ali na Barão de Aracati, tarde após tarde. E via as crianças saindo de lá, com aqueles uniformes de criança ou pequenos aventais. E elas pareciam ter passado uma tempo danado de bom por lá.

E deve ser mesmo uma delícia estudar num colégio que traz no logo um canário. E não qualquer canário, mas um que pode figurar em qualquer desenho do Mickey ou do Pernalonga.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Lunch atop a Skyscraper



E a clássica foto Almoço no Topo do Arranha-Céu completa 80 anos hoje. Uma matéria no Daily Mail tenta soar com algo de “novidade” ao decretar que a foto é posada.

A foto é impressionante, de qualquer ângulo. E ainda hoje, oitenta anos depois. Nunca se descobriu ao certo quem a tirou. Olha-se para os onze operários - são onze como num time de futebol - ainda jovens, as pernas dependuradas num vão de 69 andares, e, apesar da coragem deles, pode-se dizer com certeza: estão mortos. Pois até é possível postar-se acima, no espaço. Não no tempo. E ainda assim, ela parece a mais perfeita ilustração de uma frase de Benjamin: "articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'tal qual ele propriamente se deu'. Mas, do contrário, apoderar-se de uma lembrança tal como ela cintila num instante de perigo".

A foto foi bastante reproduzida. E todo mundo deve tê-la visto alguma vez. Desde salas de agência de publicidade a quartos de jovem namorada. Espaços assim, onde grandes campanhas perigam.

Agora, de verdade, seria menos autêntica, não fosse posada. Ou a gente imaginasse que esses operários almoçassem todo dia sentados nessa viga suspensa sobre os céus de Manhattan. Não, eles posaram uma só vez com essa desfaçatez de habitués. E isso não torna a foto mais rara?

E, então, a diferença para o presente talvez resida no fato de que, por lá, os operários que constroem arranha-céus hoje em dia dificilmente são wasps, como há oitenta anos. Hoje, estão mais para latinos, chineses, árabes, indianos, negros...

A Novela




olhei pra você. Você olhou pra mim. Olhamos-nos daquele jeito que só. E que todos esperam que só nós. Milhares. Milhões esperam

mas também só sabemos isso. E o tempo não nos disse para plantar bananeiras metafísicas 

enquanto fazemos o curso de pós-graduação em telenovela e marketing 

em telenovela e marketing, ninguém trabalha. Todos fazem de conta

fazem de conta que publicam papers imprescindíveis em horrendas revistas acadêmicas que ninguém lê: mil vezes as novelas

em compensação, é o Diabo: não poucos morrem de câncer

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Gato Que Falava Lituano



Falar javanês é fichinha. Depois do Google Tradutor e dos cursos em linha, falar javanês banalizou-se. Ao menos entre humanos. E hoje além de falar javanês e outros idiomas, há que dominar a linguagem de programação Java.
Outro dia, um desembargador veio costeando a calçada mínima na sua ancha camioneta. A placa com selo do judiciário, o decalque precediam-no. Quando topou comigo, fez sinal. Baixou o vidro. O bafo frio exalou-se à manhã de sol:
Por favor, moço, onde fica a pedicure, a Rosário?
Passei-lhe as coordenadas.
Um gato retumbantemente gordo seguia no assento do passageiro.
Vossa Excelência, do lado de lá, agradeceu e, ao notar que eu fixava o gato, que me fixava com um olho azul e outro verde:
-Diga bom dia ao moço, Dorly!
-Labas rytas – disse o gato.

Sobre um post lido no blogue da A. C. Que gosta de outra A. C.




Querida, A., falo daquele post em que você diz da angústia do jovem escritor em comentário ao artigo do proprietário da grande editora. E posso divisar o quanto ele difere do estado de espírito de seu provável orientador.

Nem precisa ser mais. Ser menos. Ser de todo. Não ser ou ser. Ou nada ser de burguês, para sacar que gostei daquele texto. E que aquele texto podia ter sido um manifesto ou quatro coisas: 1. poema do Chico Alvim; 2. Poema do Leminski; 3. Poema do Cacaso; 4. conto do Dalton Trevisan dos bons tempos; 5. Crônica do meu querido amigo Aldir Brasil Jr. Em geral, quatro coisas acabam desovando em cinco.

É isto. É esse mundo tenebroso do outro lado das páginas. Não é porque apareceu o mundo digital que ele deixou de existir – embora a percepção dele haja sido radicalmente afetada pelo advento da Tia Nete. E hoje não se pode viver lá no Céu, lá perto de Nosso Senhor, sem também filtrar-se e receber as boas-novas através de fotos instantâneas e arquivos de vídeo. Essas carícias digitais que vulgarizam à vista de todos os bilhetes mais íntimos. ( Como este? )

Aliás, o mundo para além dessas páginas não tem achado muito espaço. A gente não encontra mais o Seu Para Além de Páginas por aí. Não encontra mais na poesia. Ou nessa literaturazinha cosmética, que anda meta demais, poscuspida demais, posgraduada demais. O aluguel atrasado, contas a pagar, incertezas de chofre, aos montes, aos borbotões, em qualquer tempo ou afeto. Sob qualquer invocação. Elas precisam de um pouco mais de pé, irmã, irmão. Senão não dá, Irmã Lua.

Não se pode calçar metatênis. Ou andar por aí com metapés... Ou plantar metabananeiras em metachãos. Ou ser metafranciscano ao se caminhar em metadesvairio divino por uma Metaumbria.

Por algum tempo descri da caixa de comentários. E achei que a caixadecomentarologia não era gênero que se prezasse. Coisa séria. Ou algo que o valha. Que nada ou ninguém podia redimi-la. (A não ser talvez no Daily Mail). Que não tinha espaço nela para uma resposta digna. À altura do leitor que todos somos. (Que sonhamos ser). E os mais aloprados nunca vão deixar de sê-lo. Os mais perfeitos, moralmente falando. Pois não existe perfeição maior que a do leitor. O leitor que apenas lê, ponto. E não sente qualquer necessidade de comentar. Mas, ainda assim, a partir de hoje, a caixa de comentários voltou a ser uma esperança, querida A.

A esperança, A., que mais esse gênero se afirme.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Pastiche ( de Lorca ) em falsa prosa

O blogueiro pastichador ao violão, 1987 [Foto: Márcio Figueiredo]



Aquela magra lá do sul veio, manhã, e me esqueceu. E eu não pude esquecer. Aquela esbelta do café, filha do fio de aroma; longa, só e sem amigas. Pisou-me a rua em desoras. A noite tinge-se, doura-se de uma chama delicada. E não a pude esquecer. Aquela de bela cintura. Sim, senti sua textura na ponta das pedras pume. Rasgou por mim noite escura. Um jasmineiro amarelo. Tanto me quis e a quero, que carregou os meus olhos. E eu não a pude esquecer. Aquela - foi em Pernambuco - veio, manhã, e me encarou. E não a pude encarar. 

Que carregou os meus olhos. Já não consigo dormir. Que me encarou, dia feito. Já não consigo sonhar

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

It Makes No Difference

Simplesmente A Banda, em foto de 1969


é provável que hoje goste mais dos dois primeiros discos de The Band do que qualquer coisa dos Beatles, antes ou mesmo (durante e) depois do Peppers. Há uma qualidade de plangência e blues, caminhos e amores que não deram em nada, desilusões, rematados fracassos após esforçadas tentativas, pó de estrada, roupa encardida, cadeira de balanço no umbral e o deserto, estragos e mochila rota, safras goradas, batalhas perdidas, que tornam esses dois discos absolutamente incomparáveis. E seus criadores parecem encarnar o espírito do Lancelot de Bresson. E após o sem sentido da vida e dos combates, alvejados, eles e seus cavalos sangram no bosque. E o bosque é o Diabo. Mas eles têm uma ideia. E uma paixão. E não precisam mais que isso. Ainda que também a distorção disso possa representar a matriz de todos os males.
E, como se não bastasse, há um repercusso da terra e da gente que nela mora. Um senso de história. Algo da ordem de se estar próximo, rente de onde se deu e dá a real coisa: Dixie. Sem importações. Sem adaptações britânicas ou europeias - que também não soam menos instigantes. Mas é coisa de outra ordem, bem entendido. Há bastante terra em seus bandolins, pífaros, rabecas, acordeões, gaitas, clarinetas, pianolas e naipes de metais. Nós que somos da América, de alguma forma nos entendemos. Por alguma cifra, apesar das imensas distâncias. (E às vezes não esquecemos disso?)
Há também o itinerário mais errático, trágico, violento da banda, que repassa bem a ideia do que é a cena pop menos o glamour. Eles são mais efetivos, como músicos, em espetáculos ao vivo que os de Liverpool. Disso me convenci primeiro. E foi apenas um passo para concluir que no estúdio se dá o mesmo. Em geral, session musicians são virtuoses a serviço de outros. Outros não tão bons tecnicamente, como músicos, mas mais inspirados como compositores ou performers. O ponto é que nesses discos iniciais, eles conseguiram ser as duas coisas. Ou pode-se dizer que foram session musicians de si mesmos. Ou uns dos outros. E depois em The Band há os cinco músicos que eu gostaria de ter sido. Pegando algumas qualidades aqui, lá, e montando o Frankenstein sonoro. 
Na primeira margem, as arrepiantes vozes de Helm, Danko e, em especial, Manuel.   E, melhor, acompanhadas da vasta gama de instrumentos que cada um toca, e que eles revezam entre si, como também o protagonismo da voz. Manuel cantava como se os prazeres e chagas do viver fossem, não postos em perspectiva, mas presentificados em seu timbre temperado a tabaco e bourbon. Mas isso só pôde durar pouco mais de dois discos, pois a carga auto-corrosiva de uma vida assim não podia deixar a voz ir mais longe. Os preços que se tem de pagar por certos pactos.
Na economia geral da Banda, é ainda notório o esforço que Robertson faz para aparecer. E nem precisava. Não é um tremendo guitarrista. Mas é suficiente guitarrista. É o guitarrista de The Band, e um belíssimo compositor (e não menor letrista: se duvidar, escutem “Whispering Pines”). E pode ser que uma guitarra menos gárrula tenha aberto espaço para uma maior variedade de solos propostos por outros instrumentos. E, no entanto, Robertson tem aquele impulso (meio judeu?) de exorbitar-se na vendagem de si. Por exemplo, fazia de contas que cantava os apoios, quando seu microfone seguia desligado durante os concertos. Puro jogo de cena.
Do contrário, na margem de lá, o outro que não cantava, simplesmente respondia pela música em seu grau mais elevado. Uma espécie de concepção geral do arranjo. E, então, nessa  outra margem, no campo da pura música, há certa ambiência feérica criada por Garth Hudson. Algo entre o acordeon francês e os temas de parquinho de diversão, que sempre nos deixa no prejuízo, atirados à nostalgia. Ou então, pode pender para uma sonoridade que evoca a do harmônio, num coro de igreja. 
Talvez Garth seja um primo do alagoano Hermeto, que se perdeu lá pelo Canadá. Só que um pouquinho mais disciplinado. Ou melhor, mais domado, mais  rente ao senso comum, e voltado para um trabalho em prol de um grupo de rock. No início mesmo da colaboração, ele dava aulas de música aos demais. Como fosse um George Martin que efetivamente fizesse parte da banda.
Há um momento que ilustra isso. É na performance ao vivo de “It Makes No Difference”, tal qual está registrada em The Last Waltz, o legendário filme de Scorsese.
Durante a execução dessa balada, Robertson contorce-se todo, e finge que canta. Ou entre os versos, lança-se a solos de guitarra. Apenas bons licks. Nas mesmas vezes, Garth responde lá detrás, em continuidade, numa perícia e desenvoltura incomuns em prol não de si, mas do todo. Como a insinuar a invisibilidade da música, que, feito o espírito, sopra onde bem entende e quer. E, ainda assim, Garth o faz totalmente a serviço da canção. E para, então, ao final, propor um solo de sax soprano de levantar a audiência e os pelos.
Garth Hudson parece um gnomo. Disforme e, talvez, desagradável à primeira vista. E até a segunda. Ele vive à sombra. Ou melhor, parece com música, aquela arte aparentemente insubstancial, da ausência, que surge do inesperado, e talha o tempo. 

E ilumina o mundo.


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Em seis anos de Blogue, por um pudor calculado, jamais postamos um vídeo sequer. E, já que é inevitável que o vídeo adentre a cena do hipertexto¹, seja cada vez mais parte dele, aí segue o primeiro:





NOTA À NOTA
¹Que lamentável termo - e esses termos quase sempre não duram muito. Minha aposta vai por ele retornar a texto, que desde sempre é (e foi e será) amplo o suficiente para receber bem mais que vídeos.
OUTRO ADENDO INDEPENDENTE DA NOTA
A quem quiser mergulhar melhor no processo de feição desses discos - mais especificamente do segundo: há um documentário na íntegra, em cinco partes, no youtube: "The Band: How 2nd Album Was Made".

domingo, 16 de setembro de 2012

Sociologia da criação dos peixes-beta




nós ainda não tínhamos idade de transar, embora já dispuséssemos do equipamento.

o negócio era criar peixe-beta.

sábado, 15 de setembro de 2012

Porvir (uma história rohmeriana)




Suzana às vezes lia os textos dele. Não que ela achasse alguma revelação ou consolo neles, apenas era o que tinha mais à mão. Especialmente quando faltava grana para ir ao próximo livro. Ou coragem para ir até a esquina comprar a Bravo! Essa, uma das poucas serventias dos blogues: suprir pequenas preguiças. E algumas veleidades de rapariga. Mais ou menos como ser bom supor ter por perto um supermercado 24 horas, ainda que não se vá lá a três por quatro, às três ou quatro da madrugada.
Principalmente às três. Como nos versos de Torquato.
E então Suzana às vezes lia o blogue dele, enquanto terminava de chupar o resto do iogurte na colher da sobremesa. Sequer a visão do amplo Atlântico tornado piscina serenada, na enseada, após o quebra-mar, lhe sustinha os achaques da idade. E do parque eólico junto ao porto deviam provir essas ventanias de agosto e de setembro. Desembestadas. Os cabelos de Suzana, no entanto, pouco esvoaçavam nesse vento que refresca à sombra mesmo com o dia a meio.
Desde menina, decidiu-se reclusa. Coisa que o pai, representante comercial e em constantes andanças por capitais atrás de capitais, não podia obstar-lhe: uma vida social mais estável e enérgica. Era separado, e a mulher afastara-se da vida deles por alguma razão. E então, Suzana, de costas, caída desde o encosto do sofá, refestelada, com o marca texto à mão, escolhia a frase mais ou menos barroca como a favorita da tarde, enquanto na área de serviço o canário cantava amplamente, anunciando que mais um dia sazonava no meio daquela greve, que não tinha mais fim, da universidade. E Suzana marcava textos, e imaginava o porquê de os escritores serem assim tão sórdidos, como ele se revelara num porvir que ela havia imaginado de outro jeito.
Mais precisamente em certo imeio. E logo ele, que tinha idade de ser pai dela e até parecia boa gente.
-É. Com folga. De longe – pensava agora – Deus'ulivre.
Mas Suzana tinha um porvir e planos. Uma pós-vida em uma pós-cidade, uma pós-graduação sobre um autor pós-moderno e a possibilidade de uma identidade postiça e pós-amigos, após isso. Possessa, ela fazia mil planos a posteriori. E, assim, quando os planos começavam a não dar certo na sua imaginação, ela desandava a enviar mensagens do smartphone sempre ao alcance de um toque. E em sessenta e quatro por cento dos casos era respondida. Pós-imaginação. Quase de imediato. E então meio que enviava uma foto com a nova pintura da unha do dedinho do pé. 
Mas, às vezes, não podia evitar de voltar-se sobre as próprias curvas. E, então, entregava-se à imaginação, à lassidão gozosa e às carícias auto. Grunhia baixinho, suave, se os vizinhos mais barulhentos entrassem em inesperado armistício. E o silêncio, como um devoto, ajoelhasse sobre o vão da sala e colhesse, em pleno quarto andar, os gemidos dela como se colhe amoras, e pusesse dentro de um ex-voto.
Mas e a escrita dele? Essa não entrava nessas posteridades desterritorializadas. E era apenas como o quê? Como a borra do iogurte na colher de sobremesa, que ela lambia lentamente enquanto o fade derretia tarde na câmera da estival primavera em que estavam condenados a viver.
Um dia encontraram-se à Beira Mar. Um pouco remotamente. E caminharam para lá e para cá. Como se faz. Quando não se tem mais uma tela entre. Lá e cá. Uma cela.
Uma tela, aliás, sempre nos deixa menos no prejuízo. E imediatamente depois de uns poucos blagues, ele logo começou a rir mais amarelo do que o uniforme número três do Palmeiras. Sozinho. Quem manda: na vida real não existem undos. Ela? Comprou um acarajé e discorreu sobre seus anos na França e uma amiga em comum:
Mesmo com pouca pimenta, tá pegando.
Ele apontou algumas coisas. Lá e cá. O velho edifício em forma de navio em que havia morado nos anos 90. Como era isso, aquilo. Como aqueloutro era animado:
Aqueloutro? – Suzana indagou.
É, Aqueloutro. Nunca ouviu falar?
Eu não – ela disse.
Puxa, é isso mesmo: não é do seu tempo, não, Suzie. Mas era um barzinho muito decente, viu? E o Sá Júnior servia nas mesas do Aqueloutro, e coisa e tal. E o Baleia... Não. O Baleia, não. Era só no Estoril.
E quem ia no Aqueloutro? – ela perguntou disfarçando certo tédio-ambiente. Não queria encompridar conversa, e, entretanto, não sabia abreviá-la com bisturi mais súbito.
E então a coisa ia longa: a que horas abria o Aqueloutro. Quem frequentava o bar famoso (além dele, claro). O que tocava. Que músicos iam por lá. Quem pintou o painel. Em que ano foi ampliado. As meninas que sorriam, acenando, desde o mezanino...E até o dia em que ele disse para o Cariry, ambos mortos de bêbados, que todo grande cineasta termina em -berg: como Rosemberg e Spielberg. E análogas sandices.
Ela ouvia enfastiada, mas fazendo ouvidos de interesse – não houvesse certa mercancia em volta da coisa – só para não contrariá-lo. E, quando ele não estava olhando, fixava aquelas entradas na testa, desolada, e os grisalhos. Cheia de fascínios. Mas era algo mais da ordem da mãe. E da filha. E da estudante marca-textos. E que mulher não porta mãe, filha e estudante marca-textos ao se esquecer de si?
Verdade: mal conseguia explicar o tesão que lhe davam os grisalhos dele.
E, entretantos, a coisa parava ali. Bem ali. Pois bem podia dissociar entre os grisalhos e ele. E entre ele e carícias menos públicas. Ele, no entanto, queria carícias mais púbicas. Ou pelo menos mais púbicas. Queria era beijar o cu dela, e, adiante, empreender uma ruma de outras fundas sacanagens. 
Ela, todavia, sonhava mesmo era com outro. Um sujeito jovem, suave, tímido, de cabelinho crespo, que deitava a cabeça no colo dela e ficava em silêncio. Um tempão. Não precisava lançar mão de tantas palavras. Ou tocar em tantos assuntos. Ou se tocava, era violino. Mas não, não gostava de poesia, embora o pai deste, do violinista, que cometera versinhos mais ou menos ao tempo em que tinha a idade dela, possuísse uma até vasta biblioteca.
Agora, pra falar a verdade, cores, embora emotivas, não correspondem à necessidade sólida de um bem querer. Afinal, amor que fica, não é amor de apostilha, como é sabido. Mesmo em tempos de greve.
Grave essa! – disse Suzana baixinho, passando o marca texto na frase acima – “amor que fica...amor que fica, não é amor de apostilha, como é sabido. Mesmo em tempos de greve” – repetiu em certo tom de sonho, supinamente recostada no sofá, os olhos comprimidos como espátulas.
E o mais, era só a repulsa que aquela figura de meia-idade, ensimesmada, professoral, ventre ligeiramente proeminente, muitos pelos avulsos do pescoço às orelhas, podia causar numa recém-pós-adolescente, que gostava de marcar textos, enviar mensagens, escrever diários,

enquanto seu lobo não vinha.