terça-feira, 11 de setembro de 2012

Olha, Airton

O time do Fortaleza Esporte Clube, campeão cearense de 1974


olha, Airton, eu me lembro de uma crônica tua e eu estar morando em São Paulo. Morrendo em São Paulo. E te digo, com desconcertante firmeza: nem sempre achava que as tuas crônicas fossem a última cocada preta, meu velho, ou o mais recente fax do Parnaso; e, porém, naquela me atingiste como numa pedrada. E então, golpeado nos brios – falso orgulhoso Golias, que não se suspeitava David – sangrando entre as Clínicas e o Paraíso, enxergando o rosto das pessoas como pétalas numa rama, exilado e morrendo de saudade da Praia do Futuro e da marcação dos triângulos pelas ruas chapadas à luz, e os oitizeiros; te escrevi. E sem qualquer esperança que me respondesses. Afinal, já iam uns bons três anos que eu não publicava nada nos jornais de Fortaleza, e, como sabes, as pessoas esquecem rápido. E nem blogue a gente tinha àquela altura do returno.
Além disso, estavas uma geração adiante. O que é bastante e suficiente para que a gente se olhasse em prevenção. E, como se não bastasse, aqueles eram tempos de conexões discadas e precárias. E de imeios semelhantes às promessas de encontrar, que a gente sempre faz a amigos distantes e conhecidos próximos, a saber que nunca que irão acabar em boa cerveja. Quer dizer, era bastante incerto se chegavam ou não.
O fato é que aquele chegou.
E que me respondeste.
Nunca convivi contigo, meu velho. O máximo que trocamos, um aperto de mão – pode ser? – numa dessas cerimônias inglórias de lançamento de livro no Ideal ou ali no subsolo da Biblioteca. Ou seja, onde ainda há laquê no penteado da primeira dama e alfinete na gravata do “anfitrião”. Ou onde mais seja em que a pompa, oca, um pouco estúpida da Academia, haveria de te rejeitar de véspera.
É. Mudei de servidor. Parece que também mudaste. Perdi todos os imeios daquele tempo. E o que me escreveste, em resposta, foi junto. Mas sei: aquilo foi mais que virtual. Foi mais da ordem do humano que da doutrina do homem de letras. E deixa eu ver se entendi: e não é melhor assim? Para poder calar-nos em paz?
Mas hoje, Airton, eu vou pagar uma cerveja. E tomá-la lentamente e sozinho. Pensando em roubar manga no quintal e em São Francisco de Assis. Nas divas do cinema, que também encontravas pelas praças do Benfica. Em Noel Rosa e na Rua Dom Jerônimo. Na Perna Cabeluda e em Chet Baker. Em Freud, em Trótsky e no Baleia, o garçom. Pensando num mundo sem smartphones, mas com tertúlias imemoriais, nas quais os Fevers e o Rei cantam diferentes versões de "Agora, eu sei", para sempre. Nas mitologias que criastes desde a Gentilândia. No glorioso Leão do Pici  que sequer é meu time. E no sereno das madrugadas caindo sobre as teclas da tua máquina

aposentada de pouco.

3 comentários:

  1. Como gostaria de ter escrito este texto, simplismente assino em baixo.

    abraços

    jairo costa

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  2. Ruy,
    Sua crônica me comoveu. Muito. Muitíssimo.
    Airton foi o primeiro escritor que conheci pessoalmente.
    Eu era então um jovem, esquelético e barbudo estudante de filosofia.
    Ele, à época, me “adotou”. Leu meus textos juvenis e me incentivou a seguir adiante.
    Ficou aqui um buraco no peito.

    Compartilhei seu belo texto no facebook.

    Abraços. Saudades.

    Lira

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  3. Ruy, meu amigo poeta,

    Fortaleza, nossa aldeia, perdemos o olhar do poeta.

    Cuidemos de ver.

    Tanta beleza assim de companhia carece a olhar.

    Tanta emoção.

    Obrigado por me transbordar, poeta.

    Kelsen

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