Olhou para o anúncio antes de embarcar, e lembrou de seu tempo de garoto. E de quê? Então, de uma estudante alemã desiludida. Seus belos olhos gris e guache. Ela havia vindo passar uns dias com
o namorado, que estava já passando dias a mais por aqui. E não foi
difícil perceber que o namorado estava achando a estadia por aqui um
paraíso maior do que devia.
Isso a preveniu não só contra o ex-namorado, mas contra o Brasil em geral. E pior - isso não se faz - contra a língua portuguesa tal como falada na América:
Isso a preveniu não só contra o ex-namorado, mas contra o Brasil em geral. E pior - isso não se faz - contra a língua portuguesa tal como falada na América:
-Soa
tão primitiva uma língua que não tem a segunda pessoa na
conjugação do verbo - filosofava sobre o desaparecimento do tu.
(Mas a verdade é que todos nós filosofamos, de um jeito ou de
outro, quando nosso tu desaparece. De preferência, nos bares, em arengas que conseguem ser ainda mais cômicas que discussões sobre futebol).
Ou
então:
-E
como se pode mais empregar uma forma no singular para a segunda do
plural? - referia-se, em estrita lógica, ao hábito sem retorno que
temos de dizer a gente por nós a maior parte do tempo.
Não
que ela estivesse propriamente interessada no emprego de pronomes
numa língua romance dos confins da Europa. Mas a gente tem que dar
vazão a sentimentos fortes sob formas mais ou menos racionais.
Compadecido,
ele teve que explicar à moça que o você preenche perfeitamente os
requisitos do tu, como segunda pessoa. E não é propriamente um
erro, mas uma acomodação cultural que levou tempo para maturar,
sedimentar-se. Até ser aceita em livros, gramáticas. Mais ou menos
assim como no inglês o thou também desapareceu para glória maior
do you. Levou algum tempo.
Quanto
à questão do a gente, aí então era até mais simples. Bastou-lhe
lembrar que os franceses fazem isso à três por quatro. No caso, empregando o mágico on pelo nous mais formal. E nem por isso se
metem em menos mènages. Relaxam e são felizes.
Mas,
a esse tempo, ela já enchia a boca de vocês. E pronunciava o
pronome com insuspeitados harmônicos. (Achava bela solução
pronominal. Assim bíblica, com ressonâncias do vós na graciosa
simplicidade da mercê. De fato, mais plástico, menos marcial que o tu. O tu que ainda lembra a precipitada aspereza da segunda pessoa no alemão). E ela estava até
planejando passar uns tempos a mais no Brasil:
-Sabe
que você explica muito bem as coisas – ela dizia-lhe - Mas e
agorra, garroto?A gente vai parra o praia?
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