terça-feira, 5 de junho de 2012

Meu pai é um ruido de chaves

Piet Mondrian

Meu pai é um ruído de chaves. E passos surdos. E um ângulo. Uma falta de palavras em Oviedo. Um passar, sem olhar para os lados, pela praça. Meu pai são cabelos cinzas logo depois da infância. Serões de trabalho. O corpo franzino. Rematada incapacidade de carinho, meu pai é apenas dever. Meu pai são os dias em que você não me veio ver: por que era melhor estar com a outra? E o que mais nas suas fantasias de amor-cortês? Ou o triângulo amoroso que a gente quer para si ardentemente como uma flâmula? O gole de conhaque, ao modo de um luxo que se toma emprestado de enredo barato? E quando se tem a noção do estrago, aí a hora é já de partir, meu Pai? E o peso dos não ditos há de sempre vergar nossas costas. Como uma mochila cheia de aporias. 

E a insípida regularidade das refeições e dos horários. Para nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário