quarta-feira, 6 de junho de 2012

A Cena Local

Piet Mondrian, 1898


Os sequestradores tinham cara de sequestradores nas fotos. A cabana que utilizavam não era forrada. Havia camas dispostas contra as paredes e janelas abertas ao sertão. A bagunça provavelmente fora feita na revista policial. Havia um alpendre. Tão baixo que era agachar-se para se pôr sob ele. E uma viatura da polícia atravessando o curso de um rio na estiagem, provavelmente a pedidos da equipe de reportagem. O cabeça era um tipo caucasiano, calvo, de barba mal-feita. Uma cópia de sua identidade foi mostrada enquanto rotundos oficiais depunham ao microfone. Um deles veio do Pará no encalço dos bandidos. O delegado tinha mais de suíno que de delegado. Poderia ser uma espécie de figurante modelo em quadros de Bosch. Ou parte da classe dirigente em Animal Farm. E sem carecer maquiagem. Um desses guardiães do inferno. Deve haver um comércio terrível de interessante entre mídia e polícia. Também se mostrou um Volkswagen com marcas de bala no chassi. Gerentes de banco e autoridades se pronunciaram. A apresentadora tentou fazer um semblante de preocupação, desagravo. Não conseguiu. E a cena mudou para a amenidade de um PV vazio, um pouco à penumbra, à espera da hora do jogo. E depois para um desses congressos quase compulsórios, mas que a gente esquece que foi, quando os anos passam. Eles são verdadeira mania dos telejornais locais. E ajudam a tornar personalidades por três dias obscuros professores de universidades estaduais.
 

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