Lionel Feininger, Marine Scene, Twilight, 1950
Mediterrâneo
a cor do jaspe
cintila a cada passo
a orquídea secreta
apressa-se das folhas
paro para fitar
os olhos do miúra
e a frialdade da noite
sopra vagamente
um hálito de água
[Ceuta, 1992]
Nota - "Mediterrâneo" foi um dos poucos poemas escritos sem qualquer revisão. Talvez o único. Cheguei em Ceuta um dia antes de uma amiga. E um tal estado de morbidez e desânimo me atacou, que passei o dia zanzando pela cidade. Era incrível como a alcova, simples, do pequeno hotel, era perfeitamente limpa e despojada. Um vazio em que nada estava fora de lugar. Havia uma sensação de rematado exílio. Como se nenhuma geografia pudesse me regenerar. Ou qualquer sono vedar-me os olhos. Pensei em D. Sebastião, nos sucessos passados, na perda da glória, do império, nos exércitos mouros. E uma nostalgia out-of-the-blue enlutou-me o peito como um estandarte cruzado em farrapos. Havia uma acanhada plaza de toros. E durante algum tempo observei a impassível aspereza dos olhos deles. Uma irredutibilidade diamantina enquanto os picadores, em selvajaria, os ferreteavam e nutriam sob um forte odor de uréia e palha. Sentia-me sitiado no mundo, mediterrâneo. Dando passos por um chão que mais do que nunca meu não era. Foi a única vez que pisei em solo Africano. Até hoje áfrica, em português quer dizer uma faina árdua, proeza obtida com extremado empenho. Essa sensação durou exatamente 24 horas. E um poema.
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