[s/i/c]
O Violento Teor da Vida
Aqui de novo todos os aspectos da vida eram de uma vaidosa ou cruel publicidade. Os leprosos soavam suas matracas e seguiam em procissão, os mendigos exibiam suas deformidades e desgraças nas igrejas. Cada ordem e casa senhorial, cada categoria e profissão distinguia-se por suas vestes. Os grandes senhores nunca se deslocavam sem um ostentoso aparato de armas e uniformes, a incitar medo e inveja. Execuções e outros atos de justiça públicos, a falcoaria, casamentos e funerais, eram invariavelmente anunciados por pregões e procissões, canções e música. O amante envergava as cores da amada; colegas, o emblema de sua irmandade; partidários e criados, as divisas e brasões de seus senhores. Entre a cidade e o campo, por igual, o contraste era agudo. Uma cidade medieval não perdia-se em extensos subúrbios fabris e residenciais; cingida por suas muralhas, erguia-se como um todo compacto, eriçando-se com inumeráveis torreões. Por mais altas e ameaçadoras que fossem as casas dos nobres ou mercadores, no panorama da cidade, o grandioso aglomerado de igrejas sempre dominava tudo. O contraste entre silêncio e som, escuridão e luz, como aquele entre verão e inverno, era bem mais demarcado que em nossas vidas. A cidade moderna escassamente vivencia o silêncio e a escuridão em sua pureza, nem o efeito de uma luz solitária ou uma avulsa lamúria distante. Todas as coisas apresentavam-se à mente por violentos contrastes e impressivas formas, emprestavam um tom de excitamento e paixão à vida cotidiana e tendiam a produzir aquela perpétua oscilação entre desespero e feroz contentamento, entre crueldade e pia ternura que caracterizavam a vida na Idade Média.
[Johan Huizinga, O Outono da Idade Média [Herfsttij der Middeleeuwen], Edição de 1954, p.9, trad. nossa]
Nota – este livro de Huizinga em francês foi editado sob o título de O Fenecimento da Idade Média.
E já este trecho da introdução parece sugerir que verdadeiros contrastes só existem entre elementos bem demarcados por tradições consolidadas no tempo não por decretos de politicamente correto.
E já este trecho da introdução parece sugerir que verdadeiros contrastes só existem entre elementos bem demarcados por tradições consolidadas no tempo não por decretos de politicamente correto.
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Há tanta beleza no seu blog que dá vontade de se perder por aqui.
ResponderExcluirUm grande beijo.