sexta-feira, 10 de julho de 2009

E Outras Variadas Canções de Amor


Gordon, Radle, Whitlock e Clapton, o time base de Derek and The Dominos [sem a presença de Duane Allman], em foto de 1970


A Mais Desgraçada Banda de Todos os Tempos

Em 1970, fugindo da adulação da fama e dos milionários contratos para lançar discos mais palatáveis ao mercado fonográfico, Eric Clapton largou o Blind Faith, onde produziu música de extrema qualidade ao lado de Steve Winwood, para sair em turnê com a banda americana que... abria os shows desse supegrupo: Delaney and Bonnie.
Ás vezes creditada como Delaney and Bonnie and Friends, essa banda, de início apenas um aperitivo quase anônimo, foi eventual e progressivamente agregando algumas mega-estrelas dispostas a se divertir nos palcos longe das atribuições de seus grupos de origem. George Harrison e Leon Russell faziam aparições em suas gigs.
Clapton sentia-se particularmente atraído pela informalidade e radicalidade desses músicos americanos sulistas—e, portanto, mais próximos do berço dos blues. Nesse ínterim, sua vida pessoal atingia um nível de desarmonia notável e grande conturbação. Seu dia-a-dia era mantido por um pesado coquetel de drogas e, para entortar de vez a coisa, ele apaixonara-se por Pattie Boyd, a bela modelo que era casada com George Harrison, então um de seus melhores amigos.
Desolado, Clapton reuniu parte dos músicos de Delaney and Bonnie e lançou-se, em Miami, à gravação de um álbum duplo. O álbum viria a se chamar Layla and Other Assorted Love Songs [Layla e Outras Sortidas Canções de Amor].
Além dos músicos de Delaney – o tecladista Bobby Whitlock, o baixista Carl Radle e o baterista Jim Gordon – Clapton arregimentou ninguém menos que o virtuoso da guitarra em slide, Duane Allman, por quem estava completamente fascinado em termos musicais. Ao grupo, numa tirada de galhofa, deram o nome de Derek and the Dominos.
O resultado dessa insólita reunião entre o mago britânico da guitarra e a verve desses músicos americanos, tendo à frente o talentosíssimo Duane Allman, foi um dos álbuns mais brilhantes do universo pop. O repertório de Layla and Other Assorted Love Songs traz pérolas como a própria faixa título, que é uma sonata pop em dois movimentos, “Bell Bottom Blues”, “Nobody Knows You When You're Down And Out”, “I Am Yours”, “Thorn Tree in the Garden", "I Looked Away", "It's Too Late"... Layla, o álbum duplo, foi, de resto, o único registro de estúdio de Derek and The Dominos. Mas também se pode ouvi-los soar com brio em uns poucos discos ao vivo. Especialmente em faixas como “Presence of The Lord”, “Blues Power” e “Let it Rain”, entre algumas outras que apontam, sobretudo, para o encontro de duas guitarras exponenciais: as de Allman e Clapton. E chega a ser comovente que hajam gravado um cover de "Little Wing" em tributo ao então recém-falecido Hendrix. Embora essa versão não esteja propriamente entre as melhores realizações do grupo.
Talvez o aspecto musical mais relevante é o modo expressamente sinfônico com que as guitarras de Allman e Clapton guiam essas baladas, canções folks e blues. Há uma altivez épica. Algo que faz com que soem com a solenidade de hinos. Além do que as guitarras bases seguem nunca só calcadas em acordes de ritmo batido, mas suplementadas por desenhos melódicos [um pouco ao estilo de Keith Richards, pero com mais sutileza]. E, então há os solos, que são capítulos a parte. O que Allman extrai de sua Les Paul em "Layla" é quase inacreditável. Há um momento em que a guitarra soa entre flauta e assovio. Clapton por sua vez colhe toda uma suave sequência calcada só nos harmônicos em uns poucos compassos do solo de "Bell Bottom Blues". E tudo amparado pelos outros três que eram experimentadíssimos músicos de estúdio, com largas horas de vôo e colaborações com os nomes mais diversos da música britânica e, sobretudo, americana.
Porém, não menos intrigante foi o pavoroso destino individual de cada um dos instrumentistas dessa banda efêmera, à exceção de Whitlock e do próprio Clapton. Quem ao escutar a beleza produzida à cada faixa, registrada em cada mínimo fonograma, por esses ases reunidos sob a rubrica - um tanto ridícula - de Derek and The Dominos poderia pressenti-la? Duane Allman morreu logo em seguida num desastre de motocicleta. Tinha 25 anos incompletos. Carl Radle faleceu de uma infecção provocado por excesso de álcool e narcóticos, em 1980. E Jim Gordon foi sentenciado ao manicômio judiciário depois de matar a própria mãe a marteladas em 1983, confirmando, assim, um diagnóstico de esquizofrenia que já vinha de há muito perturbando sua carreira como músico.
Viver é muito perigoso. Participar de certas bandas, não menos:

Up and down the City Road,
In and out the Eagle,
That's the way the money goes--
Pop goes the weasel!
[W. R. Mandale]

Bom, mas isso eram em tempos heróicos, que precederam o mordaz comentário de George Harrison sobre as Spice Girls [que bem pode ser estendido a tantos outros grupos, como o recente Jonas Brothers]: "The good thing about them is that you can listen to them with the sound turned down". ["A boa coisa sobre elas é que a gente pode ouvi-las com o volume de som no zero"]. Há, no entanto, o contrário disso. Pense em Radiohead, para ficar num exemplo. E sempre haverá espaço para boa música pop nos cansados labirintos de nossos ouvidos.

[Fortaleza, 10.07.09, depois de uma semana muito trilhasonada pela música de Derek and The Dominos]
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