sexta-feira, 17 de julho de 2009

O que nos sobreviverá é amor: Larkin


[s/i/c]



An Arundel Tomb



Side by side, their faces blurred,

The earl and countess lie in stone,

Their proper habits vaguely shown

As jointed armour, stiffened pleat,

And that faint hint of the absurd —

The little dogs under their feet.



Such plainness of the pre-baroque

Hardly involves the eye, until

It meets his left-hand gauntlet, still

Clasped empty in the other; and

One sees, with a sharp tender shock,

His hand withdrawn, holding her hand.



They would not think to lie so long.

Such faithfulness in effigy

Was just a detail friends would see:

A sculptor’s sweet commissioned grace

Thrown off in helping to prolong

The Latin names around the base.



They would not guess how early in

Their supine stationary voyage

The air would change to soundless damage,

Turn the old tenantry away;

How soon succeeding eyes begin

To look, not read. Rigidly they



Persisted, linked, through lengths and breadths

Of time. Snow fell, undated. Light

Each summer thronged the glass. A bright

Litter of birdcalls strewed the same

Bone-riddled ground. And up the paths

The endless altered people came,



Washing at their identity.

Now, helpless in the hollow of

An unarmorial age, a trough

Of smoke in slow suspended skeins

Above their scrap of history,

Only an attitude remains:



Time has transfigured them into

Untruth. The stone fidelity

They hardly meant has come to be

Their final blazon, and to prove

Our almost-instinct almost true:

What will survive of us is love.



Philip Larkin





Uma Tumba em Arundel



Lado a lado, os rostos borrados,

Conde e condessa na pedra jazem,

Seus hábitos vagamente mantém-

Se presos à armadura, vinco em hiato,

E esse vestígio débil e disparatado–

Os pequenos cães sob os sapatos.



Tal austeridade do pré-barroco

Quase não envolve o olho, e finda

Por ir à magra mão esquerda dele, ainda

Pousada oca na outra; e a gente ao vê-la,

Com agudo choque de terno floco,

Essa mão afastada, segurando a dela.



Eles não cogitariam tanto tempo deitar.

Essa fidelidade em efigiem

É só um detalhe que amigos veriam na origem:

A graça gentil de um escultor sem estase

Lançado-se à tarefa de prolongar

Os nomes em latim em torno da base.



Ambos não adivinhariam quão cedo

Em sua supina viagem estacionária

O ar mudar-se-ia em muda avaria,

Afastando para bem longe a criadagem;

Quão cedo espertos olhos optariam em degredo

De ler, ver. E rijos nessa hospedagem



persistem, atados, ao longo de lapsos e vãos

De tempo. Nevascas, sem data. A luz

A cada verão enchendo a taça. Chus

Nem bus de cantos de aves acesos juncaram

Aquele mesmo coalho de ossos no chão

E, acima, nas trilhas, a incessável gente então



Veio, banhar-se na identidade deles.

Agora desamparada no oco de uma era

Não armorial, uma gamela

de fumo ascende, lenta trajetória

lassamente por duas meadas, sobre eles,

e só um ato permanece em sua migalha de história:



O tempo desfigurou-os em inverdade,

A fidelidade da pedra a dizer

O que mal suspeitavam e veio a ser

Seu brasão final, a contrapropor

Nossa quase-instintiva quase verdade:

O que nos sobreviverá é amor.





Nota- no rigoroso inverno de 1991, quando visitei a Catedral de Arundel, uma pequena cidade medieval, em West Sussex, no sul da Inglaterra, não pude deixar de lembrar deste memorável poema de Larkin, que é o fecho de seu livro The Whitsun Weddings [As Bodas de Pentecostes, 1964]. O poema parece vir preparando tudo até a grandeza insuspeitada do dístico final. Há tanta completude nele! Em especial, boa retórica na descrição e senso de história e pertença. Uma espécie de ut pictura poesis levada ao último grau. Há inclusive poesia. Essa arte que se nega por anti-poesias e teorias outras nas pós-graduações de hoje em dia. E, claro, deu um suadeira extra para traduzir. A imagem do túmulo dos condes de Arundel é, de fato, impressionante. Em especial o modo – aliás, destacado no poema – como a mão do conde distende-se, em largo, para segurar a da condessa, que parece pousar sobre a dele.



* * *


2 comentários:

  1. Traduzir esse poema foi um verdadeiro serviço de utilidade pública!

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  2. Lindo. Parabéns pela tradução.
    Beijo
    *em admiração*

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