domingo, 10 de outubro de 2010

Para algum mau humor sem bile -- ou desatando o nó de certas bravatas

Ellsworth Kelly, Diagonal with Curve IX, 1979




Rebarbativo

só creio em escritores no exílio, ainda que vivam a vida toda na mesma cidade. não creio em escritores que passam manifesto fácil. os escritores que não se referem à infância têm chances maiores de mentir – inclusive quando falam de mulheres. o incondicional amor das mães faz com que a relação com a figura do pai seja bem mais tensa. não sei como isso se dá com escritoras. e, no entanto, algumas escrevem magnificamente a respeito. e de um modo que se pode sentir. e traduzir. quanto à importância que certos escritores se auto-dão, talvez possa responder com um poeminha infame:

acho uns chatos
de galocha
os que passam
manifesto
por pouca bosta


dos prosadores contemporâneos aprecio kundera e jean-marie gustave le clézio. há também o norte-americano david foster wallace, que entrete mais nos ensaios que na própria ficção, se é que se pode demarcar, aqui. de momento, sem sombra de dúvida, le clézio – especialmente aquele a partir da década de 70, menos experimentalista, mais «careta», menos alabado por foucaults ou deleuzes – é um escritor bastante instigante de se ler. por sua via, bom para a américa latina que llosa haja ganho o nobel. por três razões estritamente literárias e uma política. porque, num certo sentido e exceção feita a Cortázar, ele é mais urbano, menos «realismo fantástico» e 'tonterías barrocas' que a maioria de seus pares do propalado boom. depois, porque um de seus melhores livros, a guerra do fim do mundo, baseia-se em um escritor muito maior que ele: euclydes da cunha. por trinca, existe o fato de haver escrito uma boa novela de humor, tia julia e o escrevinhador – quando é quase sempre difícil não cansar o leitor com a piada. há uns trinta anos atrás li conversa na catedral com grande entusiasmo. naturalmente ignorante do fato de que aqueles diálogos polifônicos ser técnica antiga, já empregada de há muito. talvez, então, fosse melhor leitor (no sentido sinestésico, que também é um sentido moral) do que llosa é escritor. a razão política – e que, portanto, conta menos: ao contrário de marquez, llosa não priva da amizade de ditadores como castro ou chávez. já é alguma coisa. embora tenha se lançado numa quixotesca candidatura à presidência do peru em 1990,  e sua compreensão da relação entre a cultura ocidental e as culturas dos povos andinos pareça ser equívoca.


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