Capa de O Carrossel, 1950, primeira reunião de poemas de Décio Pignatari
O
Lobisomem
O
amor é para mim um Iroquês
De
cor amarela e feroz catadura
Que
vem sempre a galope, montado
Numa
égua chamada Tristeza.
Ai,
Tristeza tem cascos de ferro
E
as esporas de estranho metal
Cor
de vinho, de sangue, e de morte,
Um
metal parecido com ciúme.
(O
Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar
Onde
estou à mercê:
É
uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura,
Passando
por entre uns arvoredos colossais
Que
abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão).
Outro
dia eu senti um ladrido
De
concreto batendo nos cascos:
Era
o meu Iroquês que chegava
No
seu gesto de anti-Quixote.
Vinha
grande, vestido de nada
Me
empolgou corações e cabelos
Estreitou
as artérias nas mãos
E
arrancou minha pele sem sangue
E
partiu encoberto com ela
Atirando-me
os poros na cara.
E
eu parti travestido de Dor,
Dor
roubada da placa da rua
Ululando
que o vento parasse
De
açoitar minha pele de nervos.
Veio
o frio com olhos de brasa
Jogou
olhos em todo o meu corpo;
Encontrei
uma moça na rua,
Implorei
que me desse sua pele
E
ela disse, chorando de mágoa,
Que
era mãe, tinha seios repletos
E
a filhinha não gosta de nervos;
Encontrei
um mendigo na rua
Moribundo
de fome e de frio:
“Dá-me
a pele, mendigo inocente,
Antes
que Ela te venha buscar.”
Respondeu
carregado por Ela:
“Me
devolves no Juízo Final?”
Encontrei
um cachorro na rua:
“Ó
cachorro, me cedes tua pele?”
E
ele, ingênuo, deixando a cadela
Arrancou
a epiderme com sangue
Toda
quente de pelos malhados
E
se foi para os campos da lua
Desvestido
da própria nudez
Implorando
a epiderme da lua.
Fui
então fantasiado a travesti
Arrojado
na escala do mundo
E
não houve lugar para mim.
Não
sou cão, não sou gente - sou Eu.
Iroquês,
Iroquês, que fizeste?
Décio Pignatari (1927-2012)
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