esse
não chegou a ficar grisalho. Morreu faz exatos 25 anos nesse mesmo espaço
anódino entre o Natal e o Ano Bom. Espaço traiçoeiro. De previsíveis gestos e sons. Que não
fede nem cheira. Quadrante meio mineiro. Arrastou-o a Indesejada com olhos de desfaçatez e lagarto na ponta da lâmina fria de um infarto. Com seu acanhamento, jeito
de tabaréu. Com óculos de Lennon. Um pouco de Orfeu e órfão dos anos
polares. O monstruoso mal tinha um rosto. (Suas fuças de borracha, metal, gases, cascos, decretos). Bissexto nas letras apenas para quem é duro de cintura:
letrista. Sabia de coisas e filosofias. Preferiu a linguagem simples.
Sestros do interior que fez questão de não perder para ser mais pop,
de agora e de todo mundo em diante. Os chatos virão dizer que publicou letras de
música fáceis junto com a poesia completa – talvez por falta de
mais. Talvez por falta de musa. Ou por falta de missas e pós-grados. Mas Torquato não fez o mesmo? A intenção era de realçar a qualidade das letras. De reafirmar o poeta em sua versatilidade pop. E a
diferença na política não fez que Merquior e ele fossem desamigos.
Mas até muito pertinhos em prefácios. Isso é que é bonito. Mas também foram mortos precoces. A uma
geração que viveu a última aguda vida sem virtualidade, um poeta vivido e rápido, passado na casca de
alho do som. Do orvalho de antigas serestas em cercas que já se foram. Brusco como versos devem ser. Dizem que desenhava bem. Mas seu sentido vívido vai mesmo pelo
ouvido. O desenho do som. Eu hoje li poemas de Antonio Carlos de
Brito. E ouvi canções onde há palavras dele. E elas me levaram
até um país que já não há. Onde éramos jovens e eternos. E
padecíamos no paraíso. E ainda falávamos sobre lua e pedras preciosas. E passávamos sempre por perto uns dos
outros. Ou por dentro da que queríamos. E chegávamos à gema sem precisar de teoria, de teoremas, embora houvesse o pulmão sem fibra dos concretos. E sonhando ser Carlos Williams e Dylan ao mesmo tempo. Ou Simão no deserto. E a simplicidade de Bandeira ainda prometia boas coisas. Fica
aqui um abraço, poeta. Para ti. Pra esse apelido moldado em cacófato. Um abraço de quem ainda pouco te leu. E precisa atualizar-se por doses cavalares de passado.
Pelos
dias de cicatriz.
*
Três
Textos de Antonio Carlos de Brito (Cacaso):
HAPPY
END
O
meu amor e eu
nascemos
um para o outro
agora
só falta quem nos apresente
*
MEIO-TERMO
Ah
como tenho me enganado
como
tenho me matado
por
ter demais confiado
nas
evidências do amor
Como
tenho andado certo
como
tenho andado errado
por
seu carinho inseguro
por
meu caminho deserto
Como
tenho me encontrado
como
tenho descoberto
a
sombra leve da morte
passando
sempre por perto
E
o sentimento mais breve
rola
no ar e descreve
a
eterna cicatriz
mais
uma vez
mais
de uma vez
quase
que eu fui feliz
A
barra do amor
é
que ele é meio ermo
a
barra da morte
é
que ela não tem meio termo
*
CINEMA
MUDO
I
Um
telegrama urgente
anuncia
a bem amada
para
o século vindouro.
Arfando
diante do espelho
principio
a
pentear os cabelos.
O
oceano se banha nas próprias águas.
II
Acordei
grávido e uma dúvida
dilacera
minhas partes: quem seria a mãe
de
meu filho?
Demônios
graduados me visitam
enquanto
retoco para a posteridade
a
maquiagem do arco-íris.
III
Vejo
seu retrato como se eu
já
tivesse morrido.
Grinaldas
batem continência.
Livre
na sua memória escolho a forma
que
mais me convém: querubim
gaivotas
blindadas
suave
o tempo suspende a engrenagem.
Do
outro lado do jardim já degusto
os
inocentes grãos da demência.
IV
Neste
retrato de noivado divulgamos
os
nossos corpos solteiros.
Na
hierarquia dos sexos, transparente,
escorrego
para
o passado.
Na
falta de quem nos olhe
vamos
ficando perfeitos e belos
Tão
belos e tão perfeitos
como quando a tarde pressente
as
glândulas aéreas da noite.
Trago
comigo um retrato
que
me carrega com ele bem antes
de
o possuir bem depois de o ter perdido.
Toda
felicidade é memória e projeto.
*
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Segue o linque para o famigerado artigo "Nosso verso de pé quebrado" em que Cacaso e Heloísa Buarque de Hollanda traçam um breve panorama da poesia brasileira à altura de então. O texto foi originalmente publicado em janeiro de 1974 e de alguma forma delimita na pós-vanguarda o fenômeno que tem sido nomeado de "poesia marginal". Nenhum dos poetas citados no artigo, aliás, sobreviveu ao tempo. Mas isso não depõe contra o texto. O artigo é importante, entre outras, por falar de uma certa dispersão da produção que antecipa essa escola dispersiva e profusa que são as novas mídias. Pode-se dizer, grosso modo, que as novas mídias digitalizaram e amplificaram espetacularmente essa dispersão inicial e essa vontade de democracia da dita "mimeógrafo generation", lá nos já distantes anos 70. (E não deixa de ser emblemática a presença de algo tão indicador de um resto de aura, de uma matriz, de uma intensa materialidade ou analogia como o próprio mimeógrafo enquanto aparato. Além, claro, de certa precariedade quase aporística). De início, uma das diferenças: naquele tempo havia uma poesia que corria por fora, hoje quase toda poesia escorre por fora. E há profusos, imperscrutáveis foras por este mundo afora. Uma simultaneidade de foras, uma diversidade deles. Fora há muito deixou de ser um barato, algo charmoso, para virar norma constituída. E, claro, faz mais ou menos uma geração que muitos lucram pesado com o que se chama um tanto ingenuamente de "indie". Mas também consolida-se uma geração de poetas sem livro, cuja produção já se vem tecendo sobretudo na ambiência virtual. Ou sendo composta nesse ambiente de hipertexto, não é de hoje.
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Segue o linque para o famigerado artigo "Nosso verso de pé quebrado" em que Cacaso e Heloísa Buarque de Hollanda traçam um breve panorama da poesia brasileira à altura de então. O texto foi originalmente publicado em janeiro de 1974 e de alguma forma delimita na pós-vanguarda o fenômeno que tem sido nomeado de "poesia marginal". Nenhum dos poetas citados no artigo, aliás, sobreviveu ao tempo. Mas isso não depõe contra o texto. O artigo é importante, entre outras, por falar de uma certa dispersão da produção que antecipa essa escola dispersiva e profusa que são as novas mídias. Pode-se dizer, grosso modo, que as novas mídias digitalizaram e amplificaram espetacularmente essa dispersão inicial e essa vontade de democracia da dita "mimeógrafo generation", lá nos já distantes anos 70. (E não deixa de ser emblemática a presença de algo tão indicador de um resto de aura, de uma matriz, de uma intensa materialidade ou analogia como o próprio mimeógrafo enquanto aparato. Além, claro, de certa precariedade quase aporística). De início, uma das diferenças: naquele tempo havia uma poesia que corria por fora, hoje quase toda poesia escorre por fora. E há profusos, imperscrutáveis foras por este mundo afora. Uma simultaneidade de foras, uma diversidade deles. Fora há muito deixou de ser um barato, algo charmoso, para virar norma constituída. E, claro, faz mais ou menos uma geração que muitos lucram pesado com o que se chama um tanto ingenuamente de "indie". Mas também consolida-se uma geração de poetas sem livro, cuja produção já se vem tecendo sobretudo na ambiência virtual. Ou sendo composta nesse ambiente de hipertexto, não é de hoje.
Não conhecia...é muito bom! Ninguém pegou nessa poesia para a cantar?
ResponderExcluir~CC~
sim, há uma amostra das canções aqui:
ResponderExcluirhttp://letras.mus.br/cacaso/439038/#selecoes/240031/