sábado, 13 de outubro de 2012

Cadê a chave de fenda?




-Cadê a chave de fenda?
-Eu trago uma no bolso da calça.
-E encontrou?
-Encontrei não.
-Procura direito.
*
Há coisas que só se entende algum tempo depois.
Havia a garota grega que às vezes soltava um xaveco. E ele fazia-se de desentendido. A estação corria pródiga. Ambos moravam no campus, em alojamentos. O inverno fora de congelador de Brastemp, e uma primavera mal ensaiava-se. Não raro iam às mesmas festas de confraria.
Certa tarde encontraram-se por acaso na papelaria da universidade, antes do seminário. Ambos segundanistas na pós. Ele com sua paixão por stationery e algum alheamento. Ela, com o inseparável sobretudo negro, cabelos em coque e botas, contou que estava montando umas prateleiras em seu alojamento:
-Você tem uma chave de fenda, Carlos?
-Não. Não tenho, não, Corina. Sinto.
E a velha senhora inglesa desde o balcão, com aquele comedido histrionismo na entoação da frase:
-Ah, mas um cavalheiro deve ter pelo menos duas coisas: um lenço no bolso e uma chave de fenda em casa. 

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