quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Anterioridade e Clareza: de novo Bob Creeley


Retrato de Creeley por Francesco Clemente


os aspectos de Creeley que mais tomei em prioridade: o apontar a dignidade musical da fala corrente, bem estilizá-la, estranhá-la e também fazer largo uso do encadeamento: propondo partículas ao final do verso ou circunstâncias que possam pôr a leitura em dubiedade. Quebrando o verso onde menos de espera para ressaltar a suntuosa regularidade de preposições e conectivos. E arejar a frase. Abri-la a mais de uma sintaxe. Quer dizer a mais de uma possibilidade de sintaxe. E que essas possibilidades sigam em diversas velocidades ou idades
sutilezas acústicas que seguem na fala, como correntes e redemunhos num rio. Às vezes em simultâneo. Mas também de como é possível propô-las em estranhamento ao ressaltar determinada expressão extraída, arrancada de seu contexto usual ou até mesmo modificada pelo emprego de uma outra preposição ou partícula que de costume não vai com ela
quando se lê concordâncias erradas - muitas vezes deliberadamente - pela garotada no Twitter, tais como “bons drink”, não há como não lembrar de Creeley. A ressalva é a de que ele fazia isso há meio-século atrás e como muito mais consciência, contextos e clareza de propósitos. Com muito mais graça, sutileza. Enviando a coisa toda da linguagem - suas cansadas figuras e tropos e literatices inclusive - para algo estranhamente perto da abstração. Da mesma abstração expressionista e gestual, rítmica, que se encontra no jazz ou em Jackson Pollock¹ - mas também na sintaxe física da nossa capoeira, do nosso futebol, das nossas cirandeiras, transes de terreiro, atabaque e santos. Ou nos artistas neo-concretos: é o mesmo impulso em diferentes geografias - uma espécie de Zeitgeist. Quer dizer, uma abstração que é gesto. E cheia de tripas, curvas e sinergia. E em contextos únicos e um bocado perspicazes 

e mesmo e a seu modo, fazendo o errado soar mais que certo, bonito



______________________________
¹E pensar que em certa ocasião esses dois gigantes de um modernismo em segundo momento tenham saído no braço. Foi num boteco nas imediações do Black Mountain College, a célebre faculdade de vanguarda pela qual passaram nomes como John Cage, Franz Kline, Willem de Kooning, Denise Levertov ou Stan Brakhage. Creeley relembra o episódio em entrevista à Paris Review. (E dá mesmo coordenadas de que era um rufião bastante short temper quando mais jovem.) Depois desse momento anos 50, parte da energia vanguardista da Faculdade Black Mountain - cujo reitor era o poeta Charles Olson - será transferida para a New York State University at Buffalo, em que Creeley lecionará até o final da vida, consorciando essa tarefa com viagens, residências artísticas e ciclos de leitura e palestra pelos Estados Unidos e mundo afora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário