Hoje
morreu Eric Hobsbawm (1917-2012), um espírito ligeiramente mais
cosmopolita que Hebe Camargo. Mas certamente Hobsbawm não levará um
selinho de Sílvio Santos à guisa de endecha. Nem será tão festejado em morte pela Rede Globo.
Surpreende, por antes do tempo, a abertura ao mundo desse prolífico historiador judeu-inglês nascido em Alexandria. De como ele se interessava verdadeiramente pela América Hispânica e por nós. Hobsbawm já falava em Lampião muito antes dos estudos culturais e da onda de politicamente correto. E com mais contexto para o cangaceiro. Mais compreensão do fenômeno do cangaço posto ao lado de exemplos de "banditismo social" em outros países - nos Balcãs, na Península Ibérica, na Córsega e no Mezzogiorno italiano inclusive. Suas análises recendem a um universalismo extremamente saudável, ponderado, onde para todos os efeitos não havia nem a complacência paternalista, muito menos a empáfia tipicamente primeiromundistas.¹
Entre outras, Hobsbawm já advertia, estudando o recente fenômeno da Primavera Árabe, que eram as classes-médias, via redes sociais e internet, o que estava por trás da agitação. E não só no mundo árabe. E do papel ressaltado de mulheres sob véus, mas em plena agitação...Ele também escreveu - inicialmente sob pseudônimo, pois pegava mal para um intelectual respeitável à época - uma notável História Social do Jazz² - que, de resto, foi seu livro que li com maior prazer e na época certa.
Mas também Bandidos e Nações e Nacionalismo são livros muito prezados e admiravelmente bem escritos. Quem sabe até mais que suas obras mais conhecidas ou festejadas: A Era das Revoluções e A Era dos Extremos. Neste último encontra-se a seguinte menção de um fã do futebol: "e quem tendo visto a seleção brasileira em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de arte?". Li Bandidos só um pouco depois de A História Universal da Infâmia, de Borges. E a meus olhos esses dois livros, de autores ideologicamente tão diversos, e de propósitos não menos distintos, guardam uma grande afinidade.
Hobsbawm era um marxista nada ortodoxo de uma invejável erudição e incansável sede de conhecimento e geografias. Havia um germe de inconformismo. E notava-se a abertura até o Subcontinente Indiano, o Oriente-Médio, a América Latina, a África Oriental e do Sul, o Magrebe e o Egito - onde, aliás, nasceu - com um conhecimento de causa admirável. E um senso de abordagem que desconhecia qualquer resquício de prepotência ou indulgência paternalista. A erudição o vacinava contra as tentações do sectarismo. E, então, era a revolta, o espírito da revolta, da inconformidade, mais que o da revolução, o que fascinava e movia esse marxista incomum, que tinha mais a ver com Camus que com Sartre.
Entre outras, Hobsbawm já advertia, estudando o recente fenômeno da Primavera Árabe, que eram as classes-médias, via redes sociais e internet, o que estava por trás da agitação. E não só no mundo árabe. E do papel ressaltado de mulheres sob véus, mas em plena agitação...Ele também escreveu - inicialmente sob pseudônimo, pois pegava mal para um intelectual respeitável à época - uma notável História Social do Jazz² - que, de resto, foi seu livro que li com maior prazer e na época certa.
Mas também Bandidos e Nações e Nacionalismo são livros muito prezados e admiravelmente bem escritos. Quem sabe até mais que suas obras mais conhecidas ou festejadas: A Era das Revoluções e A Era dos Extremos. Neste último encontra-se a seguinte menção de um fã do futebol: "e quem tendo visto a seleção brasileira em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de arte?". Li Bandidos só um pouco depois de A História Universal da Infâmia, de Borges. E a meus olhos esses dois livros, de autores ideologicamente tão diversos, e de propósitos não menos distintos, guardam uma grande afinidade.
Hobsbawm era um marxista nada ortodoxo de uma invejável erudição e incansável sede de conhecimento e geografias. Havia um germe de inconformismo. E notava-se a abertura até o Subcontinente Indiano, o Oriente-Médio, a América Latina, a África Oriental e do Sul, o Magrebe e o Egito - onde, aliás, nasceu - com um conhecimento de causa admirável. E um senso de abordagem que desconhecia qualquer resquício de prepotência ou indulgência paternalista. A erudição o vacinava contra as tentações do sectarismo. E, então, era a revolta, o espírito da revolta, da inconformidade, mais que o da revolução, o que fascinava e movia esse marxista incomum, que tinha mais a ver com Camus que com Sartre.
Enquanto isso, a maioria dos previsíveis neo-marxistas brasileiros querem apenas espezinhar qualquer coisa que não cheire a proletariado e sindicato. Arrancar o véu das mulheres árabes, sem antes indagar se é isso que elas querem. Ou culpar a classe-média por tudo que há de pior na face da terra - a telenovela incluída.
Hobsbawm vivia com sua mulher, Marlene, em Hampstead Heath, no Norte de Londres. Coincidentemente a mesma área em que viveram e conspiraram Karl Marx e Friedrich Engels, um século antes. Sua vida foi longeva, 95 anos, e ele deixou mulher, três filhos, netos e um bisneto. Entre seus amigos brasileiros está Luís Fernando Veríssimo, que repartia com ele o gosto pelo Jazz e assina a apresentação das edições mais recentes da História Social impressas por aqui.
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¹E a gente se pergunta: quando um grande historiador brasileiro vai falar de África - que, aliás, Gilberto Freyre já falou com grande propriedade para seu tempo e espaço - tocando também na questão do escravo, mas seguindo para além dela até a África do presente, onde a China segue repaginando o colonialismo europeu tardio e densamente exploratório e reinventando a monocultura e a exploração de minérios para alimentar suas fábricas? (Mas onde a presença brasileira por igual se faz notar, sobretudo em Angola.)
²O título original em inglês é menos pomposo: The Jazz Scene [A Cena do Jazz]. Mas isso não torna o livro menso saboroso. Ou dentro dos propósitos de uma história social, tal como concebida por uma geração de historiadores ingleses de meados para fins do sec. XX, e que incluía, entre outros, E. P. Thompson, Raymond Williams, Christopher Hill, além do próprio Hobsbawm.
Hobsbawm vivia com sua mulher, Marlene, em Hampstead Heath, no Norte de Londres. Coincidentemente a mesma área em que viveram e conspiraram Karl Marx e Friedrich Engels, um século antes. Sua vida foi longeva, 95 anos, e ele deixou mulher, três filhos, netos e um bisneto. Entre seus amigos brasileiros está Luís Fernando Veríssimo, que repartia com ele o gosto pelo Jazz e assina a apresentação das edições mais recentes da História Social impressas por aqui.
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¹E a gente se pergunta: quando um grande historiador brasileiro vai falar de África - que, aliás, Gilberto Freyre já falou com grande propriedade para seu tempo e espaço - tocando também na questão do escravo, mas seguindo para além dela até a África do presente, onde a China segue repaginando o colonialismo europeu tardio e densamente exploratório e reinventando a monocultura e a exploração de minérios para alimentar suas fábricas? (Mas onde a presença brasileira por igual se faz notar, sobretudo em Angola.)
²O título original em inglês é menos pomposo: The Jazz Scene [A Cena do Jazz]. Mas isso não torna o livro menso saboroso. Ou dentro dos propósitos de uma história social, tal como concebida por uma geração de historiadores ingleses de meados para fins do sec. XX, e que incluía, entre outros, E. P. Thompson, Raymond Williams, Christopher Hill, além do próprio Hobsbawm.
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