sexta-feira, 13 de abril de 2012

Todos fazem fila na porta de cada um: Tranströmer



Sozinho

I.
Certa manhã de fevereiro eu quase morri aqui.
O carro derrapou de banda no gelo, para
a mão contrária da via. Os carros cresceram -
seus faróis – acercando-se.

Meu nome, minhas filhas, meu emprego,
partiram-se frouxos e foram largados mudos e para trás
mais e mais distantes. Eu seguia anônimo
como um menino no playground cercado por inimigos.

O tráfico que avizinhava-se tinha luzes enormes.
Elas rebrilhavam sobre mim no que eu girava a direção
num terror transparente que flutuava feito clara de ovo.
Os segundos cresciam – havia lugar neles -
cresciam tão magníficos quanto prédios hospitalares.

Dava para repousar,
tirar um respiro
até ser atingido.

E então algo fisgava: um comiserado grão de areia
ou uma esplêndida rajada de vento. O carro desprendia-se
e soçobrava ágil logo acima da pista.
O poste atingido partia-se – num tinir agudo – e
despedaçava-se no escuro.

E então – silêncio.
Eu afundava sob o cinto de segurança
e enxergava alguém chegando pela neve indistinta
para ver o que me sucedera.

II.
Venho caminhando faz tempo
pelos campos gelados de Östergötland.
Não encontrei com ninguém.

Em outras partes do mundo
há aqueles que nasceram, viveram e morreram
numa multidão perene.

Ser visível sempre – viver
num enxame de olhos -
deve derivar uma expressão especial.
O rosto moldado na argila.

O murmúrio sobe e desce
enquanto eles repartem entre si
o céu, as sombras, os grãos de areia.

Eu necessito estar só
dez minutos de manhã
e dez minutos de noite.
-Sem um programa.

Todos fazem fila na porta de cada um.

Muitos.

Um.


Tomas Tranströmer


NOTA
Feita a partir de uma versão do sueco por Robin Fulton e alguma sondagem do original. Há mais dois poemas de Tranströmer traduzidos em Afetivagem.

4 comentários:

  1. Sombrio e bonito. Mas não vai um aniversário pra gente...

    NANDA

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  2. Excelente...principalmente prá quem já deu com o carro num poste numa via quase deserta aos 17 anos.O tempo pára, anda devagar, a gente se confunde, vê sombras, perde a consciência, volta e sobrevive.
    A diferença é que fazia muito calor!!!

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  3. é, ñ sei. no calor pelos menos a gente toma uma cerveja depois dos pontos.

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