sexta-feira, 30 de março de 2012

Sequestrar um príncipe: a adiada questão do 28º estado

D. Maria II aos 17 anos, em 1836, carioca como o Corcovado ou Pixinguinha

Não deixa de ser um pouco estranho que se faça tanta piada de D. João VI e se desconheça a ampla visão política que ele tinha. Oliveira Lima explica. Seu livro é um clássico.
D. João foi o único monarca da Europa continental a se safar, astutamente, de Napoleão. E, claro, isso nos colocou numa situação sui-generis. A de o Rio de Janeiro, de uma hora para outra, tornar-se capital de um país na Europa. E foi o primeiro país transatlântico. E nunca mais houve país igual. Ou ao menos tão singular quanto o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves - e há aqui, no nome mesmo do país, uma assimetria que é brincadeira: basta comparar a área do Algarve à do Brasil. Uma questão de dimensões que fascinaria mentes como a de Borges.
Então, de momento, a ideia de Portugal unificar-se ao Brasil, como seu 28º estado devia ser mais considerada. Mesmo que não dê em muita coisa. Considerada pelos dois povos. Como uma ideia possível de ser concretizada um dia. Quem sabe num Quinto Império desses sonhados por Vieira, Pessoa e visionários da estirpe. Ou numa emergência - que, aliás, já se deu no passado. Pois parecemos esquecer que já fomos efetivamente um mesmo país, sem tirar nem pôr. Nas circunstâncias atuais, no entanto, a (re-)união seria até mais vantajosa para os portugueses. 
Se bem que não seria nada mau ter um estado na Europa. Do jeito que a gente empreende, seríamos séria concorrência para os alemães em breve prazo. E eles provavelmente vetariam o projeto, com ameaças de expulsão da UE e muito ressentimento. Mas quem sabe, do contrário, Portugal lucraria muito mais com o Mercosur. E, melhor, sem a empáfia dos alemães. E se veria atrelado a um projeto com alguma margem de futuro. Ao contrário da UE.
Além do que, seríamos um país cheio de soft-power e charme. O primeiro com praias em lados e hemisférios opostos do Atlântico. (Para não deixar fora de ressalto as gloriosas praias tropicais, limadas de sol e abertas ao surf). Com uma bela floresta - as da Europa já foram totalmente dizimadas - e os maiores rios do planeta. Uma biodiversidade como não há em parte alguma - pois se os portugueses foram os primeiros europeus a chegar em toda parte, naturalmente reservaram as melhores para si. E por isso as futuras gerações brasileiras lhes devem mais ser gratas que ressentidas. Como também por nos terem legado a prenda mais preciosa: a língua - que Cervantes chamou de "la dulce lengua". E que, graças a nossos irmãos indígenas e africanos, tornou-se ainda mais doce e estendida em léxico do lado de cá. 
Essa Europa vazando-se para o Brasil - e vice-versa - tornar-se-ia um lugar mais feliz. Arejado. Luminoso. Descontraído. Replena de gingas e bossas-novas. E nós exportaríamos mais commodities, aviões e carros movidos a etanol. Muito provavelmente, ao invés de Roterdã ou Hamburgo, seria necessário construir um novo terminal portuário na costa portuguesa (ou ampliar um já existente) exclusivamente para receber e escoar o tanto que o Brasil exportaria para a Europa. 
Inclusive para a Alemanha. E nesse meio-termo, calculem o que não lucraria Portugal como porta de entrada! Não é de hoje que a Lufthansa compra nossos jatos comerciais. (Como o Embraer E-195, um fantástico avião para 120 passageiros, fabricado em São José dos Campos, que é um sucesso de vendas ao redor do planeta.) A Alemanha iria comprar ainda mais, se tivéssemos juntos um naco de Europa. 
Muitas outras coisas teríamos a oferecer: a sofisticada tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, que responderia por uma autonomia de combustíveis extensiva a Portugal, como estado associado. Avanços nas pequisas de bio-medicina, células tronco ou bio-combustão - que, entre outras, fazem da Universidade de São Paulo a única de língua portuguesa listada entre as grandes, em nível mundial. Projetos como o Genoma são hoje referências no ambiente científico de meio mundo. A tendência é isso de pesquisas científicas de ponta disseminar-se para outras instituições brasileiras e, quem sabe, no futuro, chegar às portuguesas. E o que dizer de nossa expertise em energias alternativas? 
Portugal, de repente, faria parte de um projeto de megadimensões e poderia, entre muitas vantagens, co-participar de nossa base científica na Antártida. E, de outro modo, embora nem de longe entrasse como o estado mais rico da federação - pois só a economia do estado de São Paulo, que deixa um país como a Polônia no encalço, é cerca de sete vezes maior que a portuguesa (e a distância alagar-se-á consideravelmente nos próximos anos)  - ainda assim Portugal seria um estado importante. Estaria entre os dez mais ricos.  E haveria ainda outras compensações. Como, por exemplo, as desportivas. Poderíamos participar juntos da Eurocopa. E ganhar um  bocado de títulos. Senão quase todos.
De momento, apenas dois países europeus produzem mais riquezas que o Brasil: Alemanha e França. Mas o Brasil os ultrapassará nos próximos anos e assumirá o posto de quarta maior economia do mundo. O que, convenhamos, é de se comemorar. Mas não é tudo. Uma vez que, de momento, o PIB per capita brasileiro é apenas 1/3 do francês e pouco mais da metade do português. Já foi bem menos, num passado não tão remoto. As diferenças, sem embargo, podem ser ainda mais recortadas se nos empenharmos em atenuar os níveis de corrupção e distribuir mais equitativamente a renda. E, ainda assim, será apenas uma questão de tempo. Uns quinze anos (ou pouco mais que isso) para que o Brasil, como um todo, tenha um padrão de vida semelhante ao do atual Sul/Sudeste brasileiro, que é já próximo dos níveis do Sul da Europa. E em alguns lugares, pulverizados e esparsos, já se desfruta até de uma melhor qualidade de vida. 
Portugal, de sua parte, tornar-se-ia simplesmente parte de um país que concentra a terceira maior indústria aeronáutica do mundo e uma das maiores indústrias automobilísticas. De longe, seríamos o maior parque industrial da Europa. E, por amplíssima margem, o maior e mais diversificado exportador de grãos do Ocidente. Feras no agronegócio: soja, café, suco de laranja, carnes, arroz, frutas tropicais e subtropicais. Além de grande exportador de minério de ferro, aço, petróleo e derivados. O mercado interno brasileiro, livre de amarras e protecionismos, estaria escancarado ao vinho e ao azeite lusitanos. Para não falar dos empreendimentos imobiliários e do setor de telecomunicações e hotelaria.  Ou ainda da experiência de Portugal em África - um mercado no qual entraríamos juntos e fortalecidos: o conhecimento de causa de Portugal e o capital brasileiro. E claro, Portugal nos é muito mais suplementar do que suplementa os outros países europeus em termos de produção agrícola. E, re-claro, não prescindiríamos das boas sugestões na área do turismo e da pesca que Portugal teria a nos legar. Sem falar do mercado de trabalho: não haveria algo como um português desempregado.
Em termos de segurança, que não bulissem com Portugal. Do outro lado do Atlântico haveria 200 milhões de có-irmãos por argumento. E forças armadas proporcionais a esse contingente e em franca modernização, com destaque para a marinha, agora com permissão para patrulhar também no norte do Atlântico. Parece suficiente, por ora, e para os termos dos fascinados por geopolíticas.
É muito curioso, de outro modo, que Dona Maria da Glória, a irmã de D. Pedro II, depois Rainha de Portugal (D. Maria II), haja sido a única monarca a reinar na Europa nascida fora dela. (Seria um vaticínio?) De nascimento, Dona Maria é tão carioca quanto o Pão de Acúcar, a Unidos da Tijuca, Pixinguinha ou Antônio Carlos Jobim. Até nisso somos dois países um tanto predestinados à originalidade. Pois o Brasil é a única ex-colônia que ao se tornar independente tornou-se também capital da ex-metrópole. Isso é de uma simbologia à toda prova. 
Por essa época, a corte portuguesa tanto se afeiçoou ao Rio de Janeiro que foi   preciso uma revolução e tanto, no Porto, para que retornasse à Europa. A intenção era ficar. E quem conhece o Rio não pode culpá-los. E hoje só alguém sem  lucidez para não perceber que o futuro da língua portuguesa, em termos de peso global, está nas mãos do Brasil. O país é sócio dos cada vez mais influentes Brics. Faz parte do G-20. É candidato sério a uma vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas. 
O Brasil é uma das economias que mais tem prosperado em anos recentes, por estar assentada em bons fundamentos macro e possuir uma vasta população para consumir domesticamente, no caso de uma megacrise externa. Como a que atravessamos. E ainda assim, o Brasil cresceu quase dez por cento, somados os últimos dois anos, os mesmos em que a Europa deu para trás. A emergência de uma classe média, formada por contingentes populacionais até então à margem do consumo, operou uma verdadeira revolução nem tão silenciosa assim. E essa revolução teve impacto decisivo para a saúde econômica do país. Mas há ainda muito a ser feito. Como reduzir os níveis de corrupção. Consolidar uma rede confiável de educação e saúde pública. Além de aprofundar a divisão da renda e aprimorar a infra-estrutura.
À sua volta, o fato de o Brasil se ter mantido unificado deve-se muito à monarquia e, portanto, a Portugal. Mais de oitenta por cento. Pois, de outra maneira, teria sido impossível manter a unidade. Seriam republiquetas para todos gostos e lados. Principalmente no extremo Sul e sobretudo no Nordeste, onde as elites tinham mania de França àquela altura. E já eram republicanas. Mas republicanas com aquele senso de defasagem entre conceitos e realidade, que Roberto Schwarz caracteriza como "ideias fora do lugar". E mesmo ao tempo da independência ainda havia muita gente que nascera aqui, mas se considerava português. E, claro, havia muitos portugueses de facto morando do lado de cá da lagoa. Depois ainda chegariam cerca de um milhão, só ao longo do séc. XX. 
No início do sec. XIX, à exceção dos indígenas e africanos, não existia algo como ser brasileiro. Ou ao menos sem se considerar em anterioridade e parcialmente português, súbdito de El-Rey. Ser brasileiro foi uma construção que demorou décadas para emplacar. Seguiu alicerçando-se pelo sec. XIX afora. Sua consolidação se deve sobretudo aos dois imperadores (notadamente o segundo - que já nasceu aqui, e era alucinado pelo país, já que o primeiro só deu o impulso inicial e depois revelou-se até mais português que os portugueses); além da preciosa colaboração de hábeis políticos e homens de estado, como um José Bonifácio, um Evaristo da Veiga, um Bernardo Pereira de Vasconcelos, um Paulino José Soares de Souza, um Joaquim Nabuco, um José Maria da Silva Paranhos Jr. Alguns deles, os mais antigos, prévia e devidamente formados em Coimbra. E basta verificar os sobrenomes para saber de que Europa vieram os ancestrais desses fundadores. E há também os escritores, de uma tremenda consciência cívica: Gonçalves Dias, Alencar, Machado (que alguns portugueses chamam Assis), Euclydes da Cunha, Lima Barreto, Mário de Andrade entre outros. E que os portugueses podem ler sem lançar mão de traduções.
Coisa que pouca gente sabe é que os argentinos - que viviam imersos em caudilhices, anarquias, golpes, quarteladas, motins, secessões e guerras fratricidas - tentaram sequestrar um príncipe europeu para governá-los.
Tal a inveja que tinham dos nossos.

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