quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O lábaro que ostentas

[s/i/c]



Agora eu se consagro!

–Mas não é que ele não errou “o lábaro que ostentas” - diz Flávio Gomes.
A menção a trecho do Hino que todos cantamos desde a infância – e alguns desconhecem pela vida inteira o significado de muitos termos – é perspicaz. E uma colheita de boas ideias sobre futebol e vida passa na ESPN Brasil. E em termos puramente nacionais, a concorrência, no que diz respeito à cobertura do futebol é desleal: eles não detêm os direitos de transmissão sequer da Série C. Ainda assim, há tanta metatransmissão, saudável ironia e códigos pessoais atravessando a tela que os eventos por lá são glosados com grande vivacidade, pluralidade, ainda que num programa bastante limitado quanto à mostragem da imagem e suas possibilidades de manipulação técnica, como o Bate Bola. E eles conseguem transformar essa escassez de meios em atratividade. Algo derivado do rádio, mas sendo outra coisa em suplemento e no fim de tudo. E mesmo algumas das melhores coisas do canal concorrente, a Sportv, muito devem à ESPN Brasil, como a agilidade mental de Paulo César Vasconcellos ou o coloquialismo narrativo de Milton Leite, que por lá passaram antes de chegar ao canal subsidiário da Globo.
É fácil perceber que os méritos de Paulo Vinícius Coelho são bem mais abrangentes que memória, enciclopédia ou prodigiosa capacidade de preparar-se para os temas diários, pois são, sobretudo, esteados por insights e improvisos. Junte-se à lógica, à aparente frieza de PVC os arroubos, lúcidos delírios, de João Carlos Albuquerque, o “Canalha”; ou a postura hipercrítica – mas não de toda desprovida de humor – de Mauro Cesar Pereira. Ou mesmo certo tom conciliatório, embora pontilhado de ironias ou emblemáticas lembranças geracionais, de Flávio Gomes. Talvez, então, o que há de sectário, conservador e tacanho moralismo na Globo conheça na ESPN Brasil seu correspondente (na pele de zelo esquerdista datado) em alguns dos jornalistas mais veteranos. E ainda assim com um humor acima da média.
É prazerosa a assistência da ESPN Brasil, e não é de hoje. Ela foi uma das primeiras emissoras a incluir em seu cast uma comentarista feminina de futebol, de fato, com certa respeitabilidade e ressonância nacionais, além de conhecimento de causa para tanto: Soninha Francine. E podemos ver a ESPN Brasil como uma derivação da TV Cultura – que até os anos 90, esteada em um orçamento menos minguado, foi a melhor televisão de sinal aberto do país em relação à grana que a movia desde os bastidores. A Globo, por exemplo, apegada aos clichés mais estéreis, como as cracas ao casco das embarcações, jamais se deu à tarefa de propor uma comentarista mulher, embora tanto martele, em suas telenovelas, a civilidade de se não descriminar. É isso. E em casa de ferreiro.
O que ressalta na Espn Brasil é um espaço maior para uma humanidade fundamental do jornalista – algo que a maioria dos veículos televisivos perdeu para certo marketing vitriólico. Isso, claro, não é seu monopólio. O Redação Sportv, por exemplo, também concede esse espaço. E para bons nomes: Lédio Carmona, André Rizek, Lito Cavalcanti, Tim Vickery, Sérgio Xavier. Mas é quase um programa avulso se posto em parelha com a fórmula deplorável de um Bem, Amigos, onde o clichê e a falsa cordialidade, a do “homem cordial” rematado, buarqueano, se efetiva em estátua de sal.
De outra forma, no Bate-Bola de hoje, Flávio Gomes diz a propósito do Rock in Rio, cujos shows serão retomados logo mais à noite, que tem uma piada pronta a contar, mas não sabe se será de bom tom. O que ele teme: excessiva tutela do politicamente correto. Mas, vá lá, Gomes acaba dizendo:
Eu tenho um amigo que gosta tanto de Stevie Wonder que vai  pro show dele hoje levando uma faixa em braile.
Há muitas casas onde abrigar um jornalismo que não necessita retroceder várias casas diante do clichê.


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