quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Uma história (e uma visão) de lince: morreu Lévi-Strauss


Claude Lévi-Strauss, um mestre (1908-2009)



Inflação, Urgência e Doutrina


Há um aspecto que venho insistindo com meus alunos já faz algum tempo quando o tema recai sobre teorias e exegeses contemporâneas: vivemos numa época de extrema inflação de discurso.

Quer dizer, há uma verdadeira febre por se produzir interpretações da realidade. E por se reproduzi-las com pequenas variações fazendo de conta que se está inaugurando uma nova linha de pensamento. Seja na filosofia, na sociologia, na história, na literatura.

O ponto é que a maioria dessas interpretações constituem tão-só modelos teóricos ocos, incongruentes ou perfeitamente datados.

São elaboradas para suprir uma demanda constante da academia. Uma espécie de sistema de moda do tipo que se retroalimenta cada vez mais em doses cavalares, já que as universidades mais e mais se assemelham a grandes empresas que se regem pela lógica do lucro – da usura, se diria no Medievo. O certo é que não retêm nenhum compromisso mais cerrado com a realidade e com a história. Com a verdade. Com sua busca.

Aqui no Brasil isso é ainda mais caricato, porque, claro, vivemos de macaquear os modelos teóricos europeus. Lévi-Strauss, discorrendo sobre o esquema mental dos alunos da USP de seu tempo, em certas páginas lapidares de Tristes Trópicos, nos dá testemunho disso já àquela altura, quando nos assegura que eles se compraziam em ostentar novas teorias como roupas novas. Ou declinar o nome de um novo teórico, desconhecido pelos demais colegas, com um gozo todo próprio. Como se possuíssem a receita de um novo prato. Uma guloseima que os outros ainda desconheciam, não haviam degustado.

E, no entanto, o conhecimento que tinham dos clássicos, da tradição e de uma formulação menos empacotilhada de pensar era sofrível. Ou seja, esse zelo cosmopolita pela teoria nova os tornava ainda mais provincianos. Coisa que, aliás, num certo sentido, São Paulo prossegue sendo. O próprio Lévi-Strauss aponta para o fato de seus estudantes paulistas estarem pelo menos seis meses mais “adiantados” que ele próprio na recepção de novas teorias. Mas serem inteiramente incapazes de se dedicar a um assunto com um mínimo de zelo monográfico ou por meio de um recorte mais profundo, menos refém desse sistema de modas acadêmicas e dessa erudição de pacotilha.


[trecho da postagem Erudição e Pacotilhas, publicada neste blogue em 16.11.08]


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2 comentários:

  1. Uma das maiores sociedades de consumo (fútil, diga-se), a maior parte do Brasil, amigo Ruy, notadamente São Paulo, se compraz com o descartável. Quem mais lucra acaba tendo os filhos nas academias, daí elas estarem deixando de ser (ou nunca tenham sido) um local de séria pesquisa, mas de ostentação consumista de "novidades teóricas".

    Belo texto, amigo, belo texto!

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  2. Ruy, continuo volteando por aqui vez em quando. na veia e oportuno esse texto. abraço
    Cândido.

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