[s/i/c]
Um bocado traiçoeiro
–uma divagação imediata sobre o computador enquanto meio
O blogue parece ser o meu limite. Eu não saberia ir além disso. Tentei as redes sociais. E evadi-me delas por pudor. Senti que havia ali algo que não era meu. Por vezes, certo desconforto de adentrar tanto na intimidade de pessoas que mal conheço. Entendo que o fato de acomodar-se nessas redes ou não é de cada um. E que há pessoas que fazem delas um uso compulsivo. Especialmente do Twitter. Um uso que não parece razoável. Outras se impõem limites. Algumas podem achar o ambiente estimulante. E chegam a ser criativas. No entanto, tenho me organizado mais e mais no sentido de impôr determinados e precisos limites, limiares quanto ao uso do computador. Aliás, não tenho afeição pelo computador em si, como objeto. É uma máquina feia, estranha. Mesmo os notebooks parecem objetos sem nenhum senso plástico. Não há nada neles que me agrade, afora o teclado de um notebook, que me remete vagamente para o teclado da última máquina de escrever que possuí, já eletrônica, com uma ridícula memória para os padrões atuais: captava cerca de duas laudas. No entanto, escrevo há já quase duas décadas em editores de texto, o que considero uma grande vantagem, porque nunca fui um bom datilógrafo. E também porque reviso à exaustão o que escrevo. Então, para mim, o computador tem sido essencialmente uma máquina de escrever com algumas vantagens. Também leio jornais e suplementos literários no computador. E tenho alguns dicionários instalados. Num determinado instante, cheguei a ler livros, foi quando senti uma imensa saudade dos livros convencionais. E me senti desconfortável no que estava a fazer – porque leio sempre com lápis. Quer dizer é raro passar uma página sem escrever algo na própria página. Uma observação, um comentário. Destacar um trecho para associá-lo com outra ideia em outro livro. Ou anotar o sentido de uma palavra desconhecida em outro idioma. E entendo que o fluxo de meu pensamento, que é lerdo – gosto de ler sentindo a musicalidade de cada frase, e, portanto, pronunciando cada palavra ao menos para o deleite do ouvido interior – necessita de algo lento, sereno como as páginas de um livro. Até o e-mail tenho buscado usar com comedimento. Há poucas pessoas com quem troco correspondência regular. E, em geral, ou sou muito breve, ou escrevo como quem escreve cartas: longos e-mails. Todos esses procedimentos tendem a desacelerar mais a vida. É claro que tendo interesse em música e na edição de imagem e de som, não posso ficar imune ao que se passa em termos de softwares. Mas, aqui, não sou compulsivo. A máquina tem de estar a meu serviço, como ferramenta. Não o contrário. Não preciso ter a última versão de um editor de imagens para editar imagens. Preciso de algo que funcione, que seja conveniente. Como ferramenta, acessório. Não faço distinções ente PC's ou Mac's. São igualmente máquinas que, em si, não se comparam, em termos estéticos, à última máquina de escrever mecânica que tive: uma Olivetti portátil. Parece mais ou menos óbvio que depois de mais de um século produzindo máquinas de escrever o design de algumas delas é estupendo. Produz-se computadores há somente umas poucas décadas. E ainda não vi um único que me chamasse a atenção por sua beleza enquanto objeto. Alguns, é óbvio, conseguem ser mais feios. Quase todo mundo gaba os Mac's pelo design. E tenho um Mac sobre a minha bancada de trabalho. Utilizo-o muito pouco. Acho que vou me desfazer dele. É uma máquina absurdamente feia. Cheia de inconvenientes, como pilhas embutidas no teclado e no mouse - e isso chega a ser anti-ecológico. Com problemas para detectar a rede sem-fio, a cada vez que é desligada. Mas a publicidade faz dos Mac's como que maravilhas aos olhos das pessoas. E a maioria das pessoas cai no conto. Enfim, sobretudo, luto para que o computador não se torne algo imprescindível. Que se possa confeccionar as coisas, sejam elas quais forem – em verso ou prosa, lançando mão de imagens e/ou de sons – sem qualquer fetiche pelo computador enquanto objeto. Tendo bem em mente que ele é tão-só uma ferramenta. E como toda ferramenta, se não bem empregada, pode ser um bocado traiçoeira.
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