Sarah Morris, 2005
Um caso c(l)ínico?
-Da querela em torno de O Estado de São Paulo e da psicanalista Maria Rita Kehl
Em fevereiro deste ano, Maria Rita Kehl foi contratada pelo Estado de São Paulo para alternar-se – semana sim, semana não – com o escritor Marcelo Rubens Paiva na redação de uma coluna. A proposta era a de, num caderno essencialmente dirigido a um público jovem, ela tratar de psicanálise. E tratar de uma forma “leve”. Afinal, esses cadernos, verdadeiros catálogos de pré consumo, proliferam jornais afora por este país. E não seria de todo improvável que seus leitores já tivessem ou eventualmente pudessem ter alguma necessidade da terapia psicanalítica, vivendo numa cidadezinha qualquer chamada São Paulo. Num estadozinho qualquer do mesmo nome, onde mesmo no interior o consumo de drogas pesadas faz mais sucesso que os romances de Paulo Coelho, os hits de Lady Gaga, a transmissão de Flamengo X Corinthians e a novela das oito combinados. Acontece que o Estadão é um jornal, além de tradicionalíssimo, com históricas propensões conservadoras – o que não é de todo mau num país em que todos querem ser pós pós modernos, como a Folha. E parece ser quase uma tradição no Ocidente essa de bons jornais: bem escritos, bem diagramados, contando com uma plêiade de excelentes colaboradores, porém um tanto conservadores – como o The Times inglês ou o argentino La Nación. O Estadão, de resto, foi um dos poucos jornais brasileiros – pessoalmente desconheço outro – a se declarar abertamente, em edital, a favor de um dos candidatos: José Serra. É um direito que o jornal, como veículo de opinião, possui. E, aliás, um risco. Inclusivo de marketing, de vendas. Ora, quase todos os jornais apoiam um candidato, ou ao menos tentam barganhar a maior vantagem possível nesse jogo de apoio ou ataque – apenas de forma mais velada. O que o Estadão propôs, em edital, não constitui, portanto, nenhum crime. Embora se possa – e até se deva – eventualmente discordar dele. O resto da história, é já bem conhecida: a professora universitária e psicanalista Maria Rita Kehl escreveu um artigo, às vésperas da eleição, que nada tem a ver com psicanálise; porém com eleição. E, mais, nesse artigo vai de encontro ao candidato apoiado publicamente pelo Estadão. E o Estadão – créu! – demitiu Maria Rita.
Alguém vê qualquer problema maior nisso? Ao que parece, quem mais saiu ganhando com toda celeuma foi a própria Maria Rita Kehl, guindada à condição de celebridade, de assunto dos mais discutidos no país esta semana por conta do caso. Coisa que não havia acontecido nos meses e meses em que ela passou à sombra, tão só falando de psicanálise para seu “público juvenil”. Notem que, se em outro fórum - digamos, numa sala de aula ou numa conferência - Maria Rita Kehl tivesse manifestado suas preferências políticas, estaria no seu direito. Como você no seu ou eu no meu. Mas numa coluna em que passou meses e meses falando de psicanálise...
Recentemente um famoso jornalista da CNN foi dispensado da rede por fazer um comentário supostamente agressivo ao estado de Israel. Ao que parece, ele elogiou a declaração de um líder palestino que lhe pareceu ponderada. Sendo o ponto de vista da CNN, ao olho do bom espectador, intensamente pró Israel, não constitui um caso um tanto semelhante?
Ou, para todos os efeitos, bem pior que o do Estadão?
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