Otto Dix, Lista de Chamada para Tropas em Retorno, 1924
A SIMPLE ENQUIRY
OUTSIDE, the snow was higher than the window. The sunlight came in through the window and shone on a map on the pine-board wall of the hut. The sun was high and the light came in over the top of the snow. A trench had been cut along the open side of the hut, and each clear day the sun, shining on the wall, reflected heat against the snow and widened the trench. It was late March. The major sat at a table against the wall. His adjutant sat at another table.
Around the major’s eyes were two white circles where his snow-glasses had protected his face from the sun on the snow. The rest of his face had been burned and then tanned and then burned through the tan. His nose was swollen and there were edges of loose skin where blisters had been. While he worked at the papers he put the forgers of his left hand into a saucer of oil and then spread the oil over his face, touching it very gently with the tips of his fingers. He was very careful to drain his fingers on the edge of the saucer so there was only a film of oil on them, and after he had stroked his forehead and his cheeks, he stroked his nose very delicately between his fingers. When he had finished he stood up, took the saucer of oil, and went into a small room of the hut where he slept. 'I’m going to take a little sleep,' he said to the adjutant. In that army an adjutant is not a commissioned officer. 'You’ll finish up.'
'Yes, Signor Maggiore,' the adjutant answered. He leaned back in his chair and yawned. He took a paper-covered book out of the pocket of his coat and opened it; then laid it down on the table and lit his pipe. He leaned forward on the table to read and puffed at his pipe. Then he closed the book and put it back in his pocket. He had too much paper-work to get through. He could not enjoy reading until it was done. Outside, the sun went behind a mountain and there was no more light on the wall of the hut. A soldier came in and put some pine branches, chopped into irregular lengths, into the stove. 'Be soft, Pinin,' the adjutant said to him. 'The major is sleeping.'
Pinin was the major’s orderly. He was a dark-faced boy, and he fixed the stove, putting the pine wood in carefully, shut the door, and went into the back of the but again. The adjutant went on with his papers.
'Tonani,' the major called.
'Signor Maggiore?'
'Send Pinin in to me.'
'Pinin!' the adjutant called. Pinin came into the room. 'The major wants you,' the adjutant said.
Pinin walked across the main room of the but toward the major’s door. He knocked on the half-opened door. 'Signor Maggiore?'
'Come in,' the adjutant heard the major say, 'and shut the door.'
Inside the room the major lay on his bunk. Pinin stood beside the bunk. The major lay with his head on the rucksack that he had stuffed with spare clothing to make a pillow. His long, burned, oiled face looked at Pinin. His hands lay on the blankets.
'You are nineteen?' he asked.
'Yes, Signor Maggiore.'
'You have ever been in love?'
'How do you mean, Signor Maggiore?'
'In love with a girl?'
'I have been with girls.'
'I did not ask that. I asked if you had been in love with a girl.'
'Yes, Signor Maggiore.'
'You are in love with this girl now? You don’t write her. I read all your letters.'
'I am in love with her,' Pinin said, 'but I do not write her.'
'You are sure of this?'
'I am sure.'
'Tonani,' the major said in the same tone of voice, 'can you hear me talking?'
There was no answer from the next room.
'He cannot hear,' the major said. 'And you are quite sure that you love a girl?'
'I am sure.'
'And,' the major looked at him quickly, ‘that you are not corrupt?'
'I don’t know what you mean, corrupt.'
'All right,' the major said. 'You needn’t be superior.'
Pinin looked at the floor. The major looked at his brown face, down and up him, and at his hands. Then he went on, not smiling. 'And you really don’t want' the major paused. Pinin looked at the floor. 'That your great desire isn’t really' – Pinin looked at the floor. The major leaned his head back on the rucksack and smiled. He was really relieved: life in the army was too complicated. 'You’re a good boy,' he said. 'You’re a good boy, Pinin. But don’t be superior and be careful someone else doesn’t come along and take you.'
Pinin stood still beside the bunk.
'Don’t be afraid,' the major said. His hands were folded on the blankets. 'I won’t touch you. You can go back to your platoon if you like. But you had better stay on as my servant. You’ve less chance of being killed.'
'Do you want anything of me, Signor Maggiore?'
'No,' the major said. 'Go on and get on with whatever you were doing. Leave the door open when you go out.' Pinin went out, leaving the door open. The adjutant looked up at him as he walked awkwardly across the room and out of the door. Pinin was flushed and moved differently than he had moved when he brought in the wood for the fire. The adjutant looked after him and smiled. Pinin came in with more wood for the stove. The major, lying on his bunk, looking at his cloth-covered helmet and his snow-glasses that hung from a nail on the wall, heard him walk across the floor. The little devil, he thought, I wonder if he lied to me.
[Ernst Hemingway, in Men Without Women [Homens sem Mulheres], contos, (1928)]
UM SIMPLES INQUÉRITO
LÁ FORA, a neve estava mais alta que a janela. A luz do sol varava a janela e luzia sobre um mapa afixado na parede de pinho da cabana. O sol seguia alto e a luz adentrava acima da camada de neve. Uma trincheira havia sido escavada ao longo do exterior da cabana, e a cada dia bom o sol, reluzindo na parede, refratava o calor de encontro à neve e alargava a trincheira. Era fim de março. O major sentava-se numa mesa contra a parede. Seu ajudante ocupava outra mesa.
Á volta dos olhos do major havia dois círculos brancos onde seus óculos de neve lhe tinham protegido o rosto do sol na neve. O resto de seu rosto tinha sido queimado e assim bronzeado e após queimado sobre o bronze. Seu nariz estava entumescido e havia felpas de pele soltas onde antes bolhas. Enquanto manuseava os papéis ele depunha os dedos da mão esquerda num vasilhame com óleo e então espargia o óleo sobre o rosto, tocando-o muito de leve com a ponta dos dedos. Nisso era muito cuidadoso, em drenar seus dedos na borda do vasilhame assim que restasse neles apenas um filete de óleo, e após haver tocado em sua testa e bochechas, ele apalpava seu nariz meticulosamente entre os dedos. Quando terminou, ergueu-se, tomou o vasilhame de óleo e seguiu para o pequeno quarto em que dormia na cabana. 'Vou tirar um cochilo', disse ao ajudante. Naquele exército um ajudante não era um oficial comissionado. 'Você termina com o trabalho'.
'Sim, Signor Maggiore', retrucou o ajudante. E inclinou as costas à cadeira abrindo um bocejo. Ele tomou um livro com sobrecapa de seu bolso e o abriu; e então largou-o sobre a mesa e acendeu um cachimbo. Inclinou-se sobre a mesa, tirou uma baforada. E logo fechou o livro e o repôs no bolso. Havia um excesso de despachos em que trabalhar. Não desfrutaria da leitura até que tudo estivesse pronto. Lá fora, o sol passara-se para detrás da montanha e não havia mais luz sobre as paredes da cabana. Um soldado entrou e depôs cepos de pinheiro, cortados de modo irregular, na lareira. 'Vá com calma, Pinin', o ajudante disse-lhe. 'O major está dormindo'.
Pinin era o ordenança do major. Um rapaz de rosto moreno, arrumou os cepos de pinheiro com cuidado, fechou a porta e seguiu novamente para os fundos da cabana. O ajudante prosseguiu com a papelada.
'Tonani', demandou o major.
'Signor Maggiore'?
'Mande o Pinin vir até aqui'.
'Pinin', chamou o ajudante. Pinin entrou na sala. 'O major lhe chama', disse o ajudante.
Pinin atravessou a sala principal da cabana até o quarto do major. Bateu à porta semi-cerrada. 'Signor Maggiore'?
'Entre', o ajudante ouviu o major dizer, 'e feche a porta'.
Dentro do quarto o major jazia em seu beliche. Penin postou-se ao lado do beliche. O major deitava-se com a cabeça na mochila que ele enchera de roupa em desuso ao modo de um travesseiro. Seu comprido rosto, queimado, untado de óleo, fixou Pinin. Suas mãos pousavam sobre as cobertas.
'Você tem dezenove?', ele perguntou.
'Sim, Signor Maggiore'.
'Já se apaixonou'?
'Como assim, Signor Maggiore?'
'Apaixonou-se, por uma garota'.
'Já andei com garotas'.
'Não foi o que perguntei. Perguntei se já se apaixonou por uma garota'.
'Sim, Signor Maggiore'.
'Está apaixonado por essa garota agora? Não escreve para ela. Leio todas suas cartas'.
'Estou apaixonado por ela', Pinin disse, 'mas não lhe escrevo'.
'Tem certeza disso?'
'Absoluta'.
'Tonani', disse o major na mesma altura de voz. 'Pode me ouvir'?
Nenhuma resposta proveio da sala contígua.
'Ele não me ouve', o major disse. 'E você tem mesmo certeza que ama essa garota?'
'Absoluta'.
'E', disse o major fixando-o rapidamente, 'de que você não é corrupto'?
'Não sei o que o senhor quer dizer por corrupto'.
'Está bem', disse o major, 'você não precisa ser convencido'.
Pinin fixava o piso. O major olhou para seu rosto moreno, de cima abaixo, e para suas mãos. E então prosseguiu sem um sorriso, 'e você não quer mesmo – ' o major pauseou. Pinin fixava o piso. 'Que seu grande desejo não é mesmo – '. Pinin fixava o piso. O major repousou a cabeça na mochila e sorriu. Ele estava de fato aliviado: a vida na caserna é um bocado complicada. 'Você é um bom garoto', disse. 'Você é um bom garoto, Pinin'. 'Mas não seja convencido e esteja alerta antes que alguém lhe passe para trás'.
Pinin permanecia impassível ao lado do beliche.
'Não tema', o major disse, 'não vou triscar em você. Você pode voltar a seu pelotão se quiser. Mas é melhor ficar como meu assistente. Suas chances de ser morto são menores'.
'O Signor Maggiore deseja algo de mim?'
'Não', o major disse. Pode ir e prossiga com o que quer que andava a fazer. Deixe a porta aberta quando sair'.
Pinin retirou-se, deixando a porta aberta. O ajudante o observou no que ele trotava desajeitadamente pela sala porta afora. Pinin enrubescera e movia-se diferente de quando trouxera a lenha para o fogo. O ajudante olhou para ele e sorriu. Pinin readentrou com mais lenha para o fogo. O major deitado em seu beliche, fixando seu capacete meio escondido por roupas e seus óculos de neve, que pendiam de um prego na parede, ouviu-lhe os passos no assoalho. O miserável, ponderou, fico pensando se mentiu para mim.
* * *
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