sábado, 23 de junho de 2007

Dois poetas que são, dois rios, e pronto


Timothy O'Sullivan, 1873


Em meio a tanta mistificação, dois poetas do Nordeste: Joaquim Cardozo e Hindemburgo Dobal [H. Dobal]. Em verdade pertencem ao mundo antes de serem daqui. Tirem a prova. Seguem duas amostras. E são feitas de levedo e cinema. Poemas para rios: Persinunga, Parnaíba.



Os Dias

Sobre as águas de um rio onde vareiros

silenciaram suas mágoas.

Sobre outro rio cantado

por lavadeiras,

e o riozinho proclamado

pelos buritizeiros,

sobre os brejos sem nome

onde os riachos começam,

sobre todas as águas

o espírito perene.

Sobre o espírito das águas

que memoraram os dias,

sobre um rio perdido onde os bichos do mato

beberam o fim da tarde,

sobre um vale pastoral onde os rios pensam

sobre a música de vida

dos rios reduzidos a um nome

PARNAÍBA

sobre os rios plenos,

os dias consumidos.


H. Dobal



Cinematógrafo

E assim vos digo:
Foi no engenho Araçu que encontrei o Persinunga:
Colhi a rapidez das suas correntezas,
Apanhei todas as cotas do fundo do seu leito,
Detive o volume de suas águas cor-de-mel,
Liguei, amarrei muito bem as suas margens cobertas de ingazeiras.
Trouxe depois comigo todo o rio
Dentro da minha caderneta de campo
Que tenho ali guardada naquela escrivaninha.
Em tardes de verão, quando me regresso nas lembranças,
Faço correr o Persinunga. Liberto suas águas morenas,
E me contemplo nelas. Contemplo as esperanças de longe
Na paisagem de outros tempos;
E, molhada nessas águas-imagens, impercebida e rastejante,
Uma insinuação de presenças invencíveis se propaga.

Joaquim Cardozo

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