A Catedral de Lima, na Plaza Mayor, ao cair da noite
O
exemplo de revitalização mais exitoso de zona central urbana na
América do Sul vem de Lima. E parece ocioso que o Brasil não haja
mandado especialistas em urbanismo e políticas públicas para
averiguar as razões do êxito dessa intervenção. E aprender com ela.
Até
os anos 80, o centro de Lima assemelhava-se ao de qualquer grande
cidade brasileira: violento, sujo, confuso, poluído visualmente,
pobre, entregue à própria sorte: todo emporcalhado por pichações e equipamentos públicos arrebentados. Seus residentes eram ambulantes,
trapeiros, gente de pouca qualificação profissional, já que os
mais abastados - e mesmo a classe-média - haviam buscado no subúrbio distante o modelo dos
condomínios, do carro, dos shoppings. Fluxo que a especulação imobiliária tem incentivado mediante publicidade ostensiva, sub-reptícia e, eventualmente, o molhar as mãos de vereadores e altos funcionários públicos inescrupulosos.
O
centro de Lima recebera em 1992 o título de Patrimônio da Humanidade. O receio da Unesco, então, era o de que todo um catálogo de estilos e
funcionalidades da arquitetura colonial se perdesse definitivamente em meio a decadência do bairro. E o título veio justo para tentar contornar esse estado de coisas.
O centro encontrava-se às traças. Prédios históricos, em péssimo estado. Trapeiros e ambulantes, que lá moravam, também ocupavam as ruas durante o dia. O clima era tenso: ruas violentas, assaltos, tráfico de drogas e outras formas de contravenção e gangues. Brigas entre facções. Escolas de péssimo nível, periodicamente depredadas. A auto-estima não andava em alta.
O centro encontrava-se às traças. Prédios históricos, em péssimo estado. Trapeiros e ambulantes, que lá moravam, também ocupavam as ruas durante o dia. O clima era tenso: ruas violentas, assaltos, tráfico de drogas e outras formas de contravenção e gangues. Brigas entre facções. Escolas de péssimo nível, periodicamente depredadas. A auto-estima não andava em alta.
Desde
então, sucessivas administrações municipais priorizaram o centro.
Alberto Andrade, prefeito eleito para dois mandatos consecutivos, vestiu a camisa. Teve inicialmente de ganhar uma batalha pouco
gloriosa, mas absolutamente necessária contra esses vendedores
ambulantes que dominavam as ruas há anos, convertendo-as em propriedade privada, divididas por setores de prostituição, assaltos, repasse de drogas...Andrade logrou êxito em
realocá-los. O que abriu o bairro para a visitação e a circulação, e desalojou focos de violência e tráfico. O próprio prefeito mudou-se para o centro com a
família. Para dar o exemplo.
Nas
administrações seguintes, o centro de Lima prosseguiu sendo
prioridade, como deve ser. Foram recuperadas com dinheiro público as
residências do entorno do Palácio do Governo. Gastou-se US$ 26
milhões na restauração do principal teatro. E seguem em
implementação uma série de programas para incentivar a circulação
de pedestres. A maioria deles conjugando ofertas de espetáculos nos
prédios históricos recém-reformados. A iluminação desses prédios, aliás, merece destaque.
Os
investimentos deram resultado no longo prazo. Há hoje um ciclo anual de eventos em
curso, e negócios como lojas de grife, supermercados, escolas e restaurantes pululam no bairro.
E tão ou mais importante que isso: a região voltou a ser
atrativa para se morar, reaquecendo o mercado imobiliário e o desejo de zelo, conservação, reforma dos prédios mais antigos, reconvertidos em residências, pousadas, restaurantes, escolas, etc. E assim o Centro de Lima é já visto como um trampolim de
imagem por grandes marcas e potenciais investidores – especialmente os do setor de entretenimento.
Os
administradores limenhos gabam-se de ter um ponto de
referência. Um eixo por onde pensar a reformulação da cidade para os
próximos anos. A história de revitalização do Centro de
Lima é uma história de êxitos. Mas também de políticas
persistentes, continuadas. Por que eles conseguiram e nós ainda
prosseguimos marcando passo?
Entre
outras coisas porque um projeto dessa magnitude não tem como
contentar a todos. A gregos e troianos. Ao menos de imediato. É mais ou menos óbvio que o morador indigente ou
semi-indigente terá de ser realocado – como aconteceu recentemente
em São Paulo com o desmanche da Cracolândia. O benefício que esse
desmanche, desde que tivesse sido minuciosamente planificado, traria a São Paulo, seria sempre mais extensivo que os
transtornos causados pela remoção dos habitantes desse corredor de
drogas e gueto de violência.
Agora, há modos e modos de realizar a quebra de domínios territoriais paralelos, buscando alguma forma de compensação social para as populações realocadas. Essas mesmas populações que, em geral, não passam de massa de manobra para os graúdos do tráfico ou de alguma sorte de contravenção, grassando na anomia. Alguma sorte de contravenção que acaba beneficiada pela complacência ingênua e tenaz de certas ONG's que julgam estar defendendo os interesses, não da contravenção ou do tráfico, mas da comunidade. Quando se dá o contrário.
É óbvio que, nessas práticas clandestinas ou informais, à margem da lei e dos impostos, o lucro concentra-se nas mãos de poucos. Em geral, os mesmos, e morrendo cada vez mais jovens, em disputas entre si ou em choques com um aparelho policial mais localizado e mais ou menos lábil à corrupção. Mora-se mal. Estuda-se mal. Desloca-se mal. Ou quase não se sai do canto. Também não se deixa muita gente passar incólume. O índice de criminalidade é altíssimo. O de mobilidade social, praticamente zero. Ainda assim, pensar em realocar populações cheira a violência contra elas, ponto. E por quê?
Essa perspectiva, de coincidir violência com remoção é simplista. Mas abraçada por não poucas ONG's ou jornalistas. Ou mesmo nosso senso comum, ainda que o resultado da remoção seja um benefício sem medida para os próprios realocados (ou seus descendentes no futuro). Para não falar dos outros milhões que habitam a cidade e irão poder desfrutar novamente, amplamente, da revitalização de determinada zona como espaço de convivência, diversidade, lazer, segurança, circulação e...moradia.
Agora, há modos e modos de realizar a quebra de domínios territoriais paralelos, buscando alguma forma de compensação social para as populações realocadas. Essas mesmas populações que, em geral, não passam de massa de manobra para os graúdos do tráfico ou de alguma sorte de contravenção, grassando na anomia. Alguma sorte de contravenção que acaba beneficiada pela complacência ingênua e tenaz de certas ONG's que julgam estar defendendo os interesses, não da contravenção ou do tráfico, mas da comunidade. Quando se dá o contrário.
É óbvio que, nessas práticas clandestinas ou informais, à margem da lei e dos impostos, o lucro concentra-se nas mãos de poucos. Em geral, os mesmos, e morrendo cada vez mais jovens, em disputas entre si ou em choques com um aparelho policial mais localizado e mais ou menos lábil à corrupção. Mora-se mal. Estuda-se mal. Desloca-se mal. Ou quase não se sai do canto. Também não se deixa muita gente passar incólume. O índice de criminalidade é altíssimo. O de mobilidade social, praticamente zero. Ainda assim, pensar em realocar populações cheira a violência contra elas, ponto. E por quê?
Essa perspectiva, de coincidir violência com remoção é simplista. Mas abraçada por não poucas ONG's ou jornalistas. Ou mesmo nosso senso comum, ainda que o resultado da remoção seja um benefício sem medida para os próprios realocados (ou seus descendentes no futuro). Para não falar dos outros milhões que habitam a cidade e irão poder desfrutar novamente, amplamente, da revitalização de determinada zona como espaço de convivência, diversidade, lazer, segurança, circulação e...moradia.
De
momento, em Fortaleza é preciso aferir, por exemplo, entre o que há de razoável
ou ínfimo e o que há de exorbitante nas propostas e contrapropostas tanto da prefeitura quanto dos moradores da Comunidade do Trilho, por exemplo.
Ao contrário do Campo do América, o que se passa com a Comunidade
do Trilho começa a despertar alguma suspeita. E sobre as demandas da
população a ser realocada. Se são de fato justas essas demandas. Se extrapolam ou exorbitam injustamente o que
está sendo pago e oferecido a elas para que um bem-estar seja
revertido em prol de uma comunidade incontavelmente maior: o restante da cidade. É justo o preço de mercado pago por essas desapropriações? É razoável o espaço projetado para receber essas populações?
Esses aspectos não podem sair do campo de visão. Às vezes, é
necessário o deslocamento de 2 mil pessoas para que três milhões
vivam melhor, e com desenvolvimento sustentado. Ou melhor e mais ampla malha de transporte público.
Enquanto
em Lima, uma atenção coordenada das autoridades e da sociedade
civil, certo pulso forte e uma visão dinâmica de urbanismo, além de políticas continudas e corrigidas deram algum resultado, no Maranhão, feudo dos Sarney, belos casarões coloniais
desabam com a chegada das chuvas, a cada ano. Pura inaptidão, negligência e falta de planejamento. Mas também em São Luís
comenta-se que o metrô local – que arrasta-se inconcluso há anos,
a exemplo do Metrofor – quando pronto, irá ligar um shopping da
família Sarney a outro shopping da propriedade de quem mesmo? Adivinhe!
E houve um slogan publicitário de São Luís que, involuntariamente, passa recibo dessa
situação de penúria que é apanágio de quase qualquer capital neste país. Num anúncio da web para o carnaval na capital
maranhense, em 2012, lia-se: “São Luís, Patrimônio Mundial da
Humanidade, onde se esbanja cultura e história”. Parece que, dando
sopa ao azar, com a permanente ameaça de desabamento desses velhos casarões, não se está esbanjando um tanto além da conta?
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