Sharon Core, Cakes, 2004
sem
dúvida, o verso mais belo diz: “I came around to say yes, and I
say”. Há uma assertividade nessa tristeza caetana que é como
saber que se provém de algo muito forte, que não é qualquer
cultura, mesmo com séculos nas costas e um império onde o sol não
morre, que nos vai privar dela. A letra então paira entre a
urbanidade, o compromisso e a organização britânicos, numa das
margens, e a angústia do transeunte exilado do turbilhão brasileiro de ritmos
e mutações, na outra, para criar uma terceira. Mas essa
terceira só pode ser percebida, em todo seu itinerário e
repercusso, por um falante do português como primeira língua, que
também domina o inglês, nem que de passagem. E o resultado, então,
é a melancolia serena, à primeira vista resignada da canção transformando-se no
manifesto de resistência que ela, de seu avesso, propõe. O mesmo que é, mais e mais, encorpado em ondas a cada vez que repete, à mantra, a aparente banalidade do refrão, que transmuta a solidão do transeunte em algo capaz de ser apropriado por um coro, uma multidão de vozes. (E não deixa de ser irônico que, antes de Jean Charles de Menezes ser morto por um policial, um dos grandes nomes da música pop do país de Menezes haja descrito esse outro policial, que se compraz em ajudar os outros com civilidade, presteza, enquanto o solitário exilado flana como alienígena pelas ruas de Kensington e Chelsea)
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