quarta-feira, 4 de julho de 2012

A Solidão das Salas




Passava a caminho do supermercado quando viu as salas. Estavam expostas à tarde num primeiro andar. Contíguas. Ambas escancaradas e especulares. Na coincidência de estarem a ser faxinadas até tardia hora? Voltadas uma para outra. Mas cegas uma para outra. Como se um tapa-olho de pirata vogasse apenas para o lado em que ambas se tocavam.
Ela, no entanto, rebocando uma tristeza milenar, a quem volta-meia emprestava um sopro de vida personal e trainee, para não desaprender o ato da conversa, via o que havia de mais belo ou não em cada uma. E o fio da tarde escorria naquele instante sem persiana.
Até cada qual com seu cada qual ficar para trás, reduzidas a fora de campo. A um vice-versa intransitivo à moralidade. As duas salas, ela, a tarde. As duas primeiras comprimindo entre paredes milhares de dias, risos, flores, fotos. Coalhos de sangue no tapete. Terço de grossas gotas na parede. Beijos. Diferentes intensidades de luz. Um gemido, noite a meio. 
Uma sem ver a outra. Até que um inexorável cataclismo vindo do mar extinga a cidade e centenas de salas e cenas assim. Limiadas por uma parede. Cegas uma para outra. Onde as pessoas encerram seus dias.

Quanto a ela, que viu a ambas – como quando se vê um rasgo de nudez no corpo de quem se quer - prosseguiu, pedindo para a própria pervesa solidão dar um tempo. Para não fazê-la esquecer que precisa comprar sabão líquido e amaciante. Não lhe desviar até inúteis alumbramentos.

E ver se está lá na esquina.

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