para
onde leva essa conversa sobre metatexto, hipertexto, ao menos da
forma como tem sido disposta pelos teóricos? Ou então, a velha
questão, que, pensando melhor, esclarece muito pouco, é opaca, pois
palavras não podem ser totalmente transparentes. E o que se expressa por afirmações do tipo:
“eu escrevo assim, assado, cozido, cru; em pé, de joelhos, de
gatinhas?” Parece, Bukowski é um tremendo chato e suas galochas. A tauromaquia,
uma arte antiga e nobre, que todos combatem sem conhecer. Desafortunadamente. (A Catalunya acaba de proibi-la) Mas nada a ver com escrita, como quer Leiris
em analogia.
Agora, respeito medularmente quem pensa diverso. Por um aspecto e mais.
Agora, respeito medularmente quem pensa diverso. Por um aspecto e mais.
Também
os franceses, em geral – com espetaculares, dramáticas excepções
– tendem a ser grandes enroladores. A encherem insofismáveis
linguiças do tamanho de caiaques ou totens - vai nisso alguma compensação? (E o que não se compensa de um ponto de vista subliminar? Alguma fantasia fálica?) Especialmente os
ensaístas franceses do pósmodernismo para cá. Há um ponto de vista de Richard
Wilbur, poeta e tradutor norte-americano - já citado previamente por aqui - a respeito deles, franceses, que é
de uma enorme lucidez:
Acho
que, como muitos americanos, tenho muito respeito pelo atual e pelo
físico. Vivemos chutando pedras, sabe, e não fazemos exatamente o
tipo de nos encantar com sistemas de pensamento abstratos como os
europeus, especialmente os franceses. Os franceses estão sempre
chegando com coisas terrivelmente maçantes que eles acham trés,
trés, trés interessantes. Gente como Sartre pode escrever um livro
inteiro a partir de um proposição que é, no fundo, falsa: a de que
Jean Genet, por ser masoquista, possui a humildade de um santo. Não
faz nenhum sentido dizer isso uma única vez, mas um intelectual
francês escreve um livro inteiro a respeito. Talvez nós americanos
nos percamos um pouco na direção contrária, achando que somos
muito primitivos e não temos qualquer respeito pelo que não tem voz
ou é indizível. Talvez porque estejamos mais próximos da fronteira
que eles, e, portanto, mais imunes a nos perdermos dentro de nossas
próprias mentes—estamos certos de que há algo aqui fora.
Para
a entrevista na íntegra (em inglês) segue o linque:
[http://www.theparisreview.org/media/3509_WILBUR.pdf]
E
daí? Daí que entre outras, de momento, é inevitável que modifique
compulsivamente o que escrevo com a voracidade de um soprador
de vidros, de Sir Richard Burton – o escritor e viajante, não o
ator –, Flannery O'Connor, Hermeto Pascoal ao piano, George Oppen. Exemplos não faltariam, embora não deem em árvore. E não figuro a razão de, no fim, esse poeta judeu-americano vir em meu auxílio, mesmo se não peço. E principalmente.
George Oppen iria pirar com os editores de texto de hoje. Não escreveria mais nada diante de tão massacrantes possibilidades de jogo. É possível
que abandonasse a publicação para ficar apenas com o processo. Era
tão obsessivo com a ordem das palavras que, depois de compor algumas poucas, parcas frases, testava todas as combinações de palavras possíveis e imagináveis dentro
delas. E para tanto recortava as palavras, avulsas, e seguia movendo os recortes, intercambiando - mais ou menos como se monta um puzzle ou
se edita um filme. Buscando novas formas de sintaxe. Um arejamento da linguagem. Das suas fronteiras. O sentido de sequência é tudo tanto em edição
como em sintaxe. Achava graça até nos desenhos e na área em
branco deixada por um texto. Ressaltava isto: os avanços e recuos da área de um
poema sobre a página. Sua estranha sombra e concretude em estado de comércio com o especioso branco. E, no entanto, nunca foi hierático ou prescritor de programas, normas, ao modo dos poetas concretistas brasileiros. Ou de certos linguistas. Ou dos minimalistas. Ou de Cage ou Philip Glass.
Mas
também creio que essa compulsão para revisar - ou para sobrerevisar, e esse escrúpulo - vem de certa atitude
defensiva e cristã-nova. De um temperamento exilado e judeu, de todo modo. Exilado e judeu tal como pensa Vilém Flusser em 'Exílio e Criatividade'. Pois o mesmo George Oppen nos diz: "a
meio caminho do fato de ser singular e de sermos numerosos está o de
ser judeu”.
Quando mais jovem, era bastante assertivo. Escrevia textos e mais textos num fôlego só. E de uma sentada. Do começo ao fim. E, no entanto, há coisas consideravelmente ruins, desagradáveis mesmo, desse tempo, que ainda assombram. Não poucas. Também escrevo por causa delas. Não para que no fim sejam transparentes. Mas ao menos para que, mesmo na sua opaca viscosidade, seja possível aludir. De algum modo. E as pessoas partilhem mundo.
Quando mais jovem, era bastante assertivo. Escrevia textos e mais textos num fôlego só. E de uma sentada. Do começo ao fim. E, no entanto, há coisas consideravelmente ruins, desagradáveis mesmo, desse tempo, que ainda assombram. Não poucas. Também escrevo por causa delas. Não para que no fim sejam transparentes. Mas ao menos para que, mesmo na sua opaca viscosidade, seja possível aludir. De algum modo. E as pessoas partilhem mundo.
E
há outra coisa, sim. Antes que esqueça: quando começo a pensar em
copiar e colar na minha escrita TUDO que vejo, sinto, cheiro, ouço – o mínimo
gesto, expressão, passeio, conversa, voluta, galho, certo registro geral ou código de barra da coisa em questão – é a senha:
hora de dar um tempo.
Porque então parece que a gente começa a parasitar, a retirar o tutano mesmo do que escreve. Antes, preferível viver. Longe da escrita. Porque ocorre aqui uma coisa estranha e um tanto digna em geral e de nota: quando se quer pôr TUDO, acaba-se por chegar a muito pouco; e, então parece haver uma espécie de sabedoria em reconhecer que mesmo a escrita mais completa ainda é um meio muito deficitário, imperfeito de sondar, experienciar mundo. Escavá-lo aqui, ali. Ver a misteriosa água minar - como em jogos de praia, na infância.
Ao largo dessa preocupação de trazer TUDO para a escrita – que, no íntimo é um ponto de vista ingênuo ou mitômano (no pior sentido), se quiserem – talvez seja preferível viver. E ler. E imitar. Quer dizer, parafrasear. (Traduzir é, de longe e ainda, a melhor escola de paráfrase. O melhor aquecimento, o alongamento necessário, a distensão prévia de cada dia: o exercício).
Mas a precedência ainda vai para um mundo, que também pulsa longe da palavra – pense em música, meu caro. Isso de empanzinar, de viver na inflação, no tumor, não faz bem. Ainda que se tenha bom-humor.
Porque então parece que a gente começa a parasitar, a retirar o tutano mesmo do que escreve. Antes, preferível viver. Longe da escrita. Porque ocorre aqui uma coisa estranha e um tanto digna em geral e de nota: quando se quer pôr TUDO, acaba-se por chegar a muito pouco; e, então parece haver uma espécie de sabedoria em reconhecer que mesmo a escrita mais completa ainda é um meio muito deficitário, imperfeito de sondar, experienciar mundo. Escavá-lo aqui, ali. Ver a misteriosa água minar - como em jogos de praia, na infância.
Ao largo dessa preocupação de trazer TUDO para a escrita – que, no íntimo é um ponto de vista ingênuo ou mitômano (no pior sentido), se quiserem – talvez seja preferível viver. E ler. E imitar. Quer dizer, parafrasear. (Traduzir é, de longe e ainda, a melhor escola de paráfrase. O melhor aquecimento, o alongamento necessário, a distensão prévia de cada dia: o exercício).
Mas a precedência ainda vai para um mundo, que também pulsa longe da palavra – pense em música, meu caro. Isso de empanzinar, de viver na inflação, no tumor, não faz bem. Ainda que se tenha bom-humor.
Há
outras formas de lidar com compulsão. E com um pouquinho de cuidado,
até se pode prevenir o contrário: as anorexias.
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