sábado, 3 de novembro de 2012

Corda sob seu peso: Miłosz


Robert Motherwell, 1982 

'Você que enganou'

Você que enganou um homem simples
Às gargalhadas, em flagrante delito
E mantém um bando de esbirros à volta
A borrar a linha entre o bem e o maldito,

Embora todos se curvem ante você,
A gabar-lhe os dons: o saber que ilumina,
Conferindo medalhas de ouro em sua honra,
Contentes de chegar vivos à esquina,

Não se sinta seguro. O poeta lembra.
Um você manda matar, outro nasce.
As palavras, anotadas: as datas, os vezos.

E numa manhã de inverno, em melhor impasse:
Galho curvado por corda sob seu peso.



Czesław Miłosz



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NOTA POSTERIOR [05.11.12] 


é complicado. A gente lê um poema. O poema é lindo. O poema se chama "Który skrzywdziłeś"¹ [ou "You who wronged", em inglês]. A partir de algumas sonoridades no polonês e da tradução do sentido geral para o inglês, a gente fica morrendo de vontade de partilhá-lo com mais gente. Com os amigos. E então esboça uma versão apressada e meio urgente. A gente dirige prioritariamente a atenção para reproduzir sons e assonâncias, e deixa passar uma concordância verbal incorreta como:

"a dizer que a virtude, o saber lhe ilumina"(m) [v. 6]

até pode-se supor que a vírgula faz as vezes de "ou" em vez de "e". ou que há sínquise na frase "a dizer que a virtude". mas ainda assim... soariam como ressalvas, ambas justificativas. uma concordância tão simples, plural: no afã de achar uma rima, a gente cega. E só vai perceber depois, o logro. E é preciso consertar, claro. Porque se foi muito afoitamente ao pote e ao concerto. Antes de tudo. Antes de mais. Quer dizer, pôs a música das palavras (melopeia) por riba até do jogo das ideias, da trama conceitual (logopeia). Ou seja, pôs o concerto diante do conserto. Às vezes, uma impressão, mera hipótese: quando se lê demais em outros idiomas, abre-se espaço para alguma debilidade gramatical em alternância, variação. No idioma da gente. Na casa da gente.
Mas também a memória prega muitas peças. O primeiro verso de um de meus sonetos favoritos, de Luís de Camões, mal citei por aqui, num post, como sendo: "Enquanto quis ternura que tivesse". E na verdade é: "Enquanto quis Fortuna que tivesse". (Naturalmente Fortuna, aqui, no sentido de sorte, destino, etc.)

¹Para ouvir uma canção (em polonês) em que este poema (cujos versos encontram-se inscritos em um monumento de Gdansk, em memória de operários mortos pelo regime comunista) é proposto com letra: 




'Który skrzywdziłeś'

Który skrzywdziłeś człowieka prostego
Śmiechem nad krzywdą jego wybuchając,
Gromadę błaznów koło siebie mając
Na pomieszanie dobrego i złego,

Choćby przed tobą wszyscy się kłonili
Cnotę i mądrość tobie przypisując,
Złote medale na twoją cześć kując,
Radzi że jeszcze dzień jeden przeżyli,

Nie bądź bezpieczny. Poeta pamięta.
Możesz go zabić - narodzi się nowy.
Spisane będą czyny i rozmowy.

Lepszy dla ciebie byłby świat zimowy
I sznur i gałąź pod ciężarem zgięta. 

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