quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Esta casa não tem lá fora, a casa não tem lá dentro






ainda a tecer coi­sas de aldeia. Maté­ria de judeu errante. De Nor­deste que não existe.¹ Só tem chão no ser pas­sante. Que só elegante no molambo. Que só há quando por um fio. Ou possui apenas pra escambo. Como uma nava­lha. Um verso. Um rio. Mas tam­bém “aqui os mor­tos são bons, se não atra­pa­lham nada: não comem o pão dos vivos, nem ocu­pam lugar na estrada”.




_________________________________________
¹O que ainda não existe é o que só. Ou seja, é o que só existe e é só: nossa instabilidade é a nossa riqueza.  E o Nordeste que não existe é o mais real. Há um futuro para nós. Nosso ponto está no futuro. Nossa praia. Nosso ponto e nossa praia são enrendados, são feitos em renda, (se constituem), no senso de precariedade e de aventura que ainda temos. E o aspecto lúdico que atravessa tudo isso. (Isto é, tudo que a Europa, mumificada senão pelos imigrantes, deixou de ter há algum tempo: um futuro). Então, o que se quer dizer: o Nordeste não existe da forma como a maioria o vê. Ou melhor posto: o Nordeste é forte a despeito dos que ao louvá-lo também o mumificam e o tornam inofensivo como os mortos da canção. É preciso entender que a astúcia de uma canção assim é o de tomar elementos tradicionais e reciclá-los e convertê-los em algo de uma modernidade aterradora para o momento em que foi gravada (1979). Uma astúcia que rompe com qualquer possibilidade de imobilismo. O que há aí - além de um espécie de propositado desatavio e improviso na gravação - é fundamentalmente aboios de vaqueiro numa roupagem pop que lembra o despojamento de Lennon em Plastic Ono Band (o álbum solo).  A astúcia não é a de resgatar e embalsamar essas formas de expressão - como o movimento armorial termina por fazer. Também não é rejeitá-las em nome de um cosmopolitismo vazio, urbanóide e um tanto nefelibata. Mas é de lançá-las ao futuro incerto a partir de um choque de modernidade que - não nos enganemos - só pode constituir-se exatamente por se alimentar delas. O tropicalismo foi um bálsamo. A última articulação instigante. Última vida inteligente em grupo. Uma lufada de ar fresco com real impacto na música. Mas também o tropicalismo, menos radical e árido que a estética magra de João Cabral, ainda permitia ser-se apropriado pelo imobilismo e o barroquismo da geleia geral brasileira em altíssima voltagem. E mesmo ser presa fácil de certo satus prevalente, de certa pasmaceira paralisante. É necessário algo muito mais radical que o tropicalismo, e que ao mesmo tempo não negligencie uma boa sugestão, como a estética cabralina ou a perspectiva de Joaquim Cardozo, entre outras. E principalmente não as negligenciem por superfluidade. Por exemplo, porque Caetano Veloso disse que João Cabral tem dor de cabeça ou é muito racionalista e auto-torturado, etc. Na música pop, num perigoso, brilhante, brevíssimo momento, alguns compositores ao norte da Bahia compreenderam isso um tanto intuitivamente. Mas eles eram jovens e também precisavam ganhar a vida. E logo a coisa foi por água abaixo. Ao que parece, a dissenção entre os baianos e os cearenses é algo mais geral que uma simples briga de egos. É algo cultural. Para um cearense é muito mais fácil entender e compartir com os pernambucanos as cifras, os códigos e a estética de João Cabral.

Nenhum comentário:

Postar um comentário