ainda
a tecer coisas de aldeia. Matéria de judeu errante. De
Nordeste que não existe.¹ Só tem chão no ser passante.
Que só elegante no molambo. Que só há quando por um fio. Ou possui apenas pra escambo. Como uma navalha. Um verso. Um
rio. Mas também “aqui os mortos são bons, se não atrapalham nada: não comem o pão dos vivos, nem
ocupam lugar na estrada”.
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¹O que ainda não existe é o que só. Ou seja, é o que só existe e é só: nossa instabilidade é a nossa riqueza. E o Nordeste que não existe é o mais real. Há um futuro para nós. Nosso ponto está no futuro. Nossa praia. Nosso ponto e nossa praia são enrendados, são feitos em renda, (se constituem), no senso de precariedade e de aventura que ainda temos. E o aspecto lúdico que atravessa tudo isso. (Isto é, tudo que a Europa, mumificada senão pelos imigrantes, deixou de ter há algum tempo: um futuro). Então, o que se quer dizer: o Nordeste não existe da forma como a maioria o vê. Ou melhor posto: o Nordeste é forte a despeito dos que ao louvá-lo também o mumificam e o tornam inofensivo como os mortos da canção. É preciso entender que a astúcia de uma canção assim é o de tomar elementos tradicionais e reciclá-los e convertê-los em algo de uma modernidade aterradora para o momento em que foi gravada (1979). Uma astúcia que rompe com qualquer possibilidade de imobilismo. O que há aí - além de um espécie de propositado desatavio e improviso na gravação - é fundamentalmente aboios de vaqueiro numa roupagem pop que lembra o despojamento de Lennon em Plastic Ono Band (o álbum solo). A astúcia não é a de resgatar e embalsamar essas formas de expressão - como o movimento armorial termina por fazer. Também não é rejeitá-las em nome de um cosmopolitismo vazio, urbanóide e um tanto nefelibata. Mas é de lançá-las ao futuro incerto a partir de um choque de modernidade que - não nos enganemos - só pode constituir-se exatamente por se alimentar delas. O tropicalismo foi um bálsamo. A última articulação instigante. Última vida inteligente em grupo. Uma lufada de ar fresco com real impacto na música. Mas também o tropicalismo, menos radical e árido que a estética magra de João Cabral, ainda permitia ser-se apropriado pelo imobilismo e o barroquismo da geleia geral brasileira em altíssima voltagem. E mesmo ser presa fácil de certo satus prevalente, de certa pasmaceira paralisante. É necessário algo muito mais radical que o tropicalismo, e que ao mesmo tempo não negligencie uma boa sugestão, como a estética cabralina ou a perspectiva de Joaquim Cardozo, entre outras. E principalmente não as negligenciem por superfluidade. Por exemplo, porque Caetano Veloso disse que João Cabral tem dor de cabeça ou é muito racionalista e auto-torturado, etc. Na música pop, num perigoso, brilhante, brevíssimo momento, alguns compositores ao norte da Bahia compreenderam isso um tanto intuitivamente. Mas eles eram jovens e também precisavam ganhar a vida. E logo a coisa foi por água abaixo. Ao que parece, a dissenção entre os baianos e os cearenses é algo mais geral que uma simples briga de egos. É algo cultural. Para um cearense é muito mais fácil entender e compartir com os pernambucanos as cifras, os códigos e a estética de João Cabral.
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