Christo
Uma
das novidades das novas mídias é a chegada do homem da rua na TV.
Hoje ter, comandar, produzir ou participar de um programa de televisão está ao alcance
de imensamente mais gente que há só uns poucos anos atrás. Essa
vertigem e variedade de programas é um barbarismo. Sua banalização faz com que os próprios produtores dos novos programas olhem para trás, para a época heróica, rarefeita, monopolista da TV, e enxerguem as mulheres e os homens por detrás daqueles programas únicos e irrepetíveis, como titãs ou semi-deuses. Então, essa enxurrada de novos programas, cada vez mais segmentados, traz em seu bojo
aspectos grotescos. E, de outra face, outros mais
estimulantes.
Por
aqui, duas estações de TV emblematizam isso melhor que outras: a TV OPovo e a
TV Diário. E não é acaso que ambas sejam desdobramentos dos dois principais jornais impressos. E também agreguem procedimentos de rádio que eram subsidiários à periferia desses diários.
A TV OPovo, que está a menos tempo no ar, busca uma grade de
programação e um tom geral que se dirige às classes A e B – mas,
de outro modo, sem o vigor financeiro, o dinamismo que sobra e surpreende em sua
concorrente. E há ainda défices técnicos evidentes, como uma
qualidade de imagem estourada em excesso nas externas, por exemplo. Ou uma necessidade de repaginação geral de cenários junto com uma maior agilidade das câmeras e uma palheta de enquadramentos menos previsível nos programas gravados em estúdio.
A
TV Diário, por seu turno, que se dirige expressamente às classes C
e D é já uma potência local e, até certo ponto, nacional. Pode-se
dizer que, no campo do audiovisual, em termos de impacto, nenhum veículo provocou maior
revolução em Fortaleza, nas últimas décadas que a TV Diário –
embora isso demande uma análise que escapa ao tempo curto desta
nota. Ela possui uma pujança que chega a assustar. Um insaciável apetite para devorar tudo que se encontra à volta. E uma espécie de excelência técnica absoluta nos domínios do kitsch, que inclusive irradia para suas subsidiárias menos criativas ou endinheiradas dentro do mesmo conglomerado - caso da modorrenta TV Unifor. Ou propõe-se como alternativa até às retransmissoras de redes nacionais, o que assoma como totalmente inesperado e contracorrente.
Além do que, ela contou com a sorte de, na esteira de seu surgimento, beneficiar-se do enorme potencial de expansão do consumo das classes médias baixas, cujo boom se deu durante o segundo mandato de Lula. Sua grade de programação mais popularesca é o que a mantém: os programas de polícia, rasos como são, ainda fortemente decalcados do rádio. Em compensação, as produções mais refinadas, segmentadas - turismo, pesca, revistas de variedades - têm de ser enxotadas para foras de hora. No horário nobre, programas onde os apresentadores posam de justiceiros, ou retêm algo da boçalidade proverbial de vereadores, fazem a festa do povão, junto com as usuais bandas de forró, secundadas por bailarinas quase roliças. E em especial, se contrapostas às esquálidas modelos que só faltam descadeirar-se enquanto desfilam com aparente brio, ar afetadamente entediado e alguma anorexia passarela afora. Como cabides ambulantes. (Não é assim que as quer certo padrão global que vai mais além da Rede Globo?) Mas, observando melhor, mesmo as modelos locais parecem mais rechonchudas. E especialmente na TV Diário. Talvez porque, para um povo que deixou de passar fome a menos de uma geração, gordura e beleza ainda sejam sinônimos. (E vem daí a compulsividade com que se postam fotos de pratos, sobremesas, sorvetes e drinks nas redes sociais? Isso, de fato, torna "mais real" o que se come ou reitera o fato de se estar bem alimentado?).
Além do que, ela contou com a sorte de, na esteira de seu surgimento, beneficiar-se do enorme potencial de expansão do consumo das classes médias baixas, cujo boom se deu durante o segundo mandato de Lula. Sua grade de programação mais popularesca é o que a mantém: os programas de polícia, rasos como são, ainda fortemente decalcados do rádio. Em compensação, as produções mais refinadas, segmentadas - turismo, pesca, revistas de variedades - têm de ser enxotadas para foras de hora. No horário nobre, programas onde os apresentadores posam de justiceiros, ou retêm algo da boçalidade proverbial de vereadores, fazem a festa do povão, junto com as usuais bandas de forró, secundadas por bailarinas quase roliças. E em especial, se contrapostas às esquálidas modelos que só faltam descadeirar-se enquanto desfilam com aparente brio, ar afetadamente entediado e alguma anorexia passarela afora. Como cabides ambulantes. (Não é assim que as quer certo padrão global que vai mais além da Rede Globo?) Mas, observando melhor, mesmo as modelos locais parecem mais rechonchudas. E especialmente na TV Diário. Talvez porque, para um povo que deixou de passar fome a menos de uma geração, gordura e beleza ainda sejam sinônimos. (E vem daí a compulsividade com que se postam fotos de pratos, sobremesas, sorvetes e drinks nas redes sociais? Isso, de fato, torna "mais real" o que se come ou reitera o fato de se estar bem alimentado?).
Entre
o que há de mais bizarro no processo de democratização da imagem:
certa falta de apuro técnico e formal, que estava concentrado nas
grandes redes do Sudeste, mas que aos poucos vem descomprimindo-se.
E até propiciando que profissionais de talento e expertise não
necessitem mais sair de seus locais de origem. Um aumento da demanda
por editores, câmeras, repórteres, redatores, cenógrafos, iluminadores,
sonoplastas, coreógrafos, atores assim como uma melhoria geral nos níveis de
salário, têm contribuído para tanto.
Mas
também há um aspecto crucial pouco tocado: qual o rosto dessa nova
TV, mais democrática e federada? Ora, o rosto, o tipo físico de
quem apresenta – na mesma medida que a voz, o acento - foi algo
rigorosamente controlado pelas grandes redes, e uma espécie de
incógnita para as pequenas – acima de tudo em seus anos e actos
iniciais. Uma instância de insegurança. De virgindade mesmo, pode-se
dizer do desacostumo que essas estações e redes sentem diante
de questões assim. E inda não é uma equação de todo resolvida,
embora encaminhe-se para uma solução compósita.
De
início, privilegiou-se uma espécie de cópia ipsis-litteris, que,
como não poderia deixar de ser, em todo processo de mimese acrítica, gerava apenas clones menores ou sofríveis de verdadeiros deuses do Olimpo
midiático, criados no Eixão. E era assim que esses titãs - Cid Moreira, Sérgio Chapelin, Belisa Ribeiro, Leda Nagle, Valéria
Monteiro, Ana Maria Bragas, Sandra Annenberg, William Bonner, Lillian Witte Fibe - tinham de achar um clone, muito sofrível e aproximado nas brenhas das redações e estúdios de estados mais à margem. E, então, no plano local, sobrevieram os Nazarenos Albuquerques, Nelsons Faheinas, Ritas Oliveiras, Aderbal Bezerras, Irazeres Gadelhas, Albertos Perdigãos, Joões Inácios Jrs, e quejandos. Mas, ao que parece, quase sempre estávamos em franca desvantagem. E talvez essa defasagem em favor da matriz, no Sudeste, pudesse ser compensada, nem que através do
nome (daí a época dos Herman Hesses e Victor Hannovers). E, então, a coisa parece ter andado ainda mais para trás. Ter embrejado de vez a vaca.
Já hoje, sobretudo no campo dos telejornais, há um padrão evolutivo que se faz sentir no desembaraço e até na beleza, em particular de certas repórteres - como Alana Araújo, Luana Borba, Janaína Gouveia ou Larissa Macedo. Seus tipos físicos, em geral, situam-se na fronteira entre uma beleza local e uma outra, reivindicada por um suposto “padrão” nacional. E elas sentem-se à vontade falando num registro mais próximo do fortalezense culto - que, de resto, é um sotaque que jamais havia ido ao ar antes. E é sintomático que entre apresentadoras - que são o rosto mais estável dessa televisão federalizada - ainda não se encontre esse novo rosto, porém apenas ensaios, aproximações. E, em geral, nada bem sucedidos. Com as excepções de praxe, quando se pensa, por exemplo, numa Sandra Chaves, que já está na telinha há algum tempo. Ou, menos estavelmente, em Cíntia Lima.
Ao seu tempo, o cinema produzido na pulverização e na diasporização do Eixão Rio-Sampa não teve - ou melhor, não consegue ter, como senso de apropriação e barganha - um miléssimo do dinamismo da televisão surgida em pólos regionais, nesse ínterim. É como se a televisão fosse da vida real, ao contrário do cinema. E conseguisse falar com largo desembaraço a mesma língua do telespectador - ponto inicial de onde partir. Pois tivesse tido o cinema (entenda-se os profissionais que o fazem) a sagacidade de parasitar a televisão, se o cinema tivesse exercido maior pressão para uma federalização da produção de programas televisivos - e sobretudo de matriz mais ficcional - e seu próprio sentido de compromisso e engajamento com essas realidades federadas, regionalizadas, teria sido, sobremaneira, tremendamente impactante. E, logo, seu alcance, verdadeiramente notável.
Já hoje, sobretudo no campo dos telejornais, há um padrão evolutivo que se faz sentir no desembaraço e até na beleza, em particular de certas repórteres - como Alana Araújo, Luana Borba, Janaína Gouveia ou Larissa Macedo. Seus tipos físicos, em geral, situam-se na fronteira entre uma beleza local e uma outra, reivindicada por um suposto “padrão” nacional. E elas sentem-se à vontade falando num registro mais próximo do fortalezense culto - que, de resto, é um sotaque que jamais havia ido ao ar antes. E é sintomático que entre apresentadoras - que são o rosto mais estável dessa televisão federalizada - ainda não se encontre esse novo rosto, porém apenas ensaios, aproximações. E, em geral, nada bem sucedidos. Com as excepções de praxe, quando se pensa, por exemplo, numa Sandra Chaves, que já está na telinha há algum tempo. Ou, menos estavelmente, em Cíntia Lima.
Ao seu tempo, o cinema produzido na pulverização e na diasporização do Eixão Rio-Sampa não teve - ou melhor, não consegue ter, como senso de apropriação e barganha - um miléssimo do dinamismo da televisão surgida em pólos regionais, nesse ínterim. É como se a televisão fosse da vida real, ao contrário do cinema. E conseguisse falar com largo desembaraço a mesma língua do telespectador - ponto inicial de onde partir. Pois tivesse tido o cinema (entenda-se os profissionais que o fazem) a sagacidade de parasitar a televisão, se o cinema tivesse exercido maior pressão para uma federalização da produção de programas televisivos - e sobretudo de matriz mais ficcional - e seu próprio sentido de compromisso e engajamento com essas realidades federadas, regionalizadas, teria sido, sobremaneira, tremendamente impactante. E, logo, seu alcance, verdadeiramente notável.
Não sabia que você assiste a TV Diário.
ResponderExcluirsempre que dá. e gosto muito de 'nas garras da patrulha'. e também daquela dissidência de bonecos na tv união. e do bebel do jereissati.
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