domingo, 25 de março de 2012

eu e a palavra urubu no pormenor de um sábado da quaresma


gosto da palavra urubu. ela tem algo de tupi que eu não renego. e talvez eu tenha algo de nômade que ela quer. de forma que os pronomes relativos nos reúnem. a última vez que fui ao supermercado, comprava frutas. e quando me virei, ela me olhava densa, sossegada com aqueles olhos gostosos, um pouco sonsos de te quiero. mas desde que a pronuncio numa língua europeia, ela também soa assim engraçada. meio primitiva, distante, com essa vogal reiterando. e soa engraçada mesmo a mim, que nunca vou ser inteiramente europeu. que às vezes pressinto numa fração de segundo a cor negra de seus us nas penas da ave. soar engraçado. e, pior, a palavra urubu - bater de asas, flecha, chispa posta em equação - sabe bem a quem soa. e então revoa sobre fortaleza como el condor pasa, personagem de cartoon. um vôo impossível, aliás: o dia é chuvoso. e, ainda assim, nessa grande fantasia que é linguagem, ela e eu seguimos juntos tomando banho de chuva e debochando da semiótica em banho-maria e do departamento de letras vernáculas.

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