quinta-feira, 29 de março de 2012

Demétrius x Demóstenes


Houve um tempo - mais ou menos àquela altura em que toda a humanidade com menos de 25 morava em Fortaleza e fazia parte da mesma turma - que havia dois caras disputando o favor da mesma mina. Até aí, nada de mais, se um não se chamasse Demétrius. E o outro Demóstenes. Não é mentira.
Demétrius, por sinal, era percussionista de mão cheia e muito boa praça. A última vez que soube dele, morava em Belo Horizonte. Demóstenes, um tipo funesto, com cara de funcionário público alemão, sumiu no desvão dos tempos. Ambos, ao que parece, fizeram pontas em um pioneiro vídeo experimental de ficção que não sei se ainda existe. Mas se existir, há de ser uma espécie de avô de todos esses filmes experimentais que se fazem a rodo – e quase ninguém vê – nos diascorrentes. Salvo engano, foi rodado num condomínio, próximo à Praça Luiza Távora. Os caras se obcecaram pela mina. E a disputa foi acre.
Um tanto fascinados pela mágica das palavras, ríamos muito do duelo, marcado por esses dois nomes pomposos, gregos, clássicos. E até bastante parecidos. Há um certo gosto cearense por nomes clássicos, não? Heráclito Graça ou Fortes. Demócrito Rocha ou Dummar. Que tal Meton de Alencar? Alcebíades, Mardônios, Ulisses, Péricles, Cíceros, Plínios, Laertes, Agenores, Agamenons, Nestores. Diógenes como sobrenome de família - originária, aliás, das ribeiras do Jaguaribe, infestadas de jagunços, cheias de histórias de encomendas de morte e pistolagens.
Mas, e a menina?
A menina no correr do conto interessou-se por linguagens visuais. E tempos depois foi minha aluna no Curso de Comunicação da FIC – de onde, aliás, saíram ou prosseguiram na carreira muita gente boa: Maísa Vasconcelos, Joana Cruz, Mariana Sasso, Zé Rosa, Alysson Oliveira, Ribamar Bezerra, Diego Lage e outros. Uma bela turma. Mas ela foi um pouco anterior a essa turma, pensando melhor. A última vez que a vi, tinha casado com outra menina, que não havia entrado na história. Não sei o que faz hoje. E em dia. Nem é o caso.
É o caso lembrar o quanto havia de kitsch no ar por aquela altura. Como sinergia coletiva. A década de 70 era brega. Mas de um brega arejado. O brega dos 80 era decadência rematada. Na moda e naqueles horrendos cortes de cabelo geométricos. De Chororó e Titãozinho não pode provir muito bom design para cabelos. Ou no quão musicalmente previsíveis são grupos como The Smiths ou The Cure. Talvez The Jam escape e sem boas-vontades. Há quem goste dos dois primeiros, no entanto. Conheço certa garota - ela chegou a tocar um pouco de contrabaixo - que esfolaria vivo qualquer um que ousasse falar mal de Robert Smith. De resto, mais adiante, são necessárias idolatrias assim conjugadas a gatos, cães, calopsitas e papagaios para compensar-se da falta de filhos. Ou explicar Freud.
Ah, vida pré-internet. Mas a automática sensação de riso quando se pensa nesse surdo, áspero duelo Demétrius X Demóstenes na Fortaleza Bela dos loucos, kitches e perdidos anos 80. 
Um clássico.

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