quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Em uma ou três semanas


Juan Brossa, Vampir, 1989


Jornalismos, Vampirismos, Detetivagens em Dois Palitos de Porrinha



I.

Impressiona o destaque dado à violência nos dois diários locais. Algo que vaza para quase todas as seções ou editorias. É sangue e contrafação em excesso para matar a sede dos leitores. Nenhuma reflexão mais acumulada, consequente. Apenas sangue quente. Jorrando. Tome-se a capa da edição virtual de hoje em ambos, ao romper do dia, 5hs40min:


No O Povo: “Portugueses são presos no aeroporto com cocaína amarrada às pernas”; “Homem é encontrado morto com perfurações à bala em Aquiraz”; “Policial é atingido por tiro acidental disparado por colega do Ronda”; “Condenados por crime hediondo podem cumprir mais tempo na cadeia”; “Ministério Público vai investigar morte de operário em obra do Porto do Pecém”; “Prisão de autoridades deixa Dourados, em Mato Grosso do Sul, sem governo”; “Duas pessoas morreram e 15 ficaram feridas nas últimas 24h nas rodovias do CE”; “IBGE: taxa de homicídios cresce 49,3%”; “Vídeo de menina jogando filhotes no rio causa revolta na internet”.


No Diário do Nordeste: “Caso Cearamor: PM diz sofrer ameaças”; "Patrulha tem pistas de ladrão de carro"; “Bandido morto usava cinto com 2 armas”; “DDF captura jovem acusado de fraudes”; “Homicídios cresceram 32% em 15 anos”; “Receita admite falsificação em procuração”; “PF prende prefeito e vereadores de Dourados”; “Homem faz 3 reféns na TV Discovery”; “Assista ao flagrante policial na Gentilândia!”.


São 9 chamadas em cada capa. O que apenas aponta para uma concisão maior nas manchetes do Diário. E há ainda a mais bizarra delas: a manchete de O Povo com esses vagos "filhotes" jogados no rio. Os especialistas em vendas e marketing, em ambos, no entanto, bem sabem o que, de fato, vende jornal.



II.

Pode-se ir buscar a origem dessa tendência vampiresca nos primeiros jornais da modernidade, publicados em Londres à época da Rainha Vitória, quando a repressão da sexualidade aguçava a sede por essa sorte de notícias. Mas, de lá para cá, de um ou de outro modo, elas sempre estiveram por aí, em destaque ao longo dos anos.

O artista moderno, anônimo, diluído na multidão, surgiu justamente ao tentar achar certos rastos (ou o próprio rosto) como um detetive. O filme 'noir' acrescentou a essa tendência certa dimensão de humor, glamour, desfaçatez, mas também uma calculada e, por vezes, invertida misoginia. Assim como de humor negro estão repletos algumas das melhores realizações de Tarantino, dos irmãos Cohen.

A figura do detetive, à sua vez, está no embrião da modernidade detectada por Benjamin na Paris de meados do Sec. XIX junto com outras figuras emblemáticas: o flâneur; o dândi; o homem sanduíche; o terrorista; o conspirador profissional; o fotógrafo de portraits retocados; o boêmio; o poeta endividado, nômade urbano, consumindo ópio, haxixe, absinto; o grande financista; o escritor melancólico que reconstitui cada mínimo detalhe até o caminho de Swann...


Mas o detetive.


Ele é figura chave. História, em grego [ἱστορία] não quer dizer mais do que "investigação", "inquérito". Não propriamente apenas desses crimes, que as manchetes dos jornais vertem sobre nossas cabeças, dia após outro, como duchas quentes. E que, volta e meia, provocam tanta comoção, tanta indignação.

Totalmente esquecidas uma ou três semanas depois.


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