Mircea Cantor, Shadow for a While, 2007
Verdade e Rotina
Saía para a caminhada de manhã cedo. As ruas ainda mal tocadas pelo sol. Operários da construção civil, domésticas e, mais tarde, colegiais, passavam de quando, sozinhos ou em pequenos grupos. No mais, a sombra dos pés de jambo, acácias e fícus. O latir avulso dos cães-de-guarda. Um ou outro caminhante.
Certa manhã, um senhor alto muito magro, um tanto exasperado, a consultar o relógio e esfregar a cabeça branca interpelou-o numa esquina. Ele deteve os passos, tirou um dos fones-de-ouvido, onde troava um fandango, entre violões, pandeiros, castanhas:
--Que dia é hoje da semana, meu filho? – disse o velho.
--Quinta-feira.
O velho coçou de novo a cabeça branca, que balançava em contrariedade:
--Já é quinta-feira! Quinta-feira! -- murmurou agastado.
No dia seguinte, lá estava o senhor magro, de boca murcha, cabeça branca e nariz adunco, arrastando seus passos acerca da mesma esquina. Acenou para ele:
--Que dia é hoje da semana, meu filho?
--Sexta-feira.
E o velho em desconsolo:
--Já é sexta-feira! Sexta-feira!
Por muitas manhãs a cena se repetiu.
Certa segunda-feira, com uma pesada semana de trabalho por diante, ao se deparar com o senhor da cabeça branca e sua inevitável pergunta, resolveu trocar as coisas para ver se dava samba:
--Que dia é hoje da semana, meu filho?
--Terça-feira.
--Não, meu filho. Não é terça-feira, não.
--Ah, perdão, o senhor tem toda razão, é segunda.
E o outro incomodado, coçando a cabeça:
--Já é segunda-feira! Segunda-feira!
* * *
Aparentemente nada fora alterado por sua resposta cínica. Ele prosseguiu sobre seus passos ouvindo fandangos. E o velho restou na esquina, com sua habitual exasperação. Mas na manhã da terça-feira, era ele quem estava em passos nervosos acerca da esquina, coçando a cabeça, contrariado, indagando aos passantes pelo dia da semana.
Acordou com mais suor sobre a pele do que depois de uma restauradora caminhada matinal. Consultou o calendário.
Era quarta-feira.
Certa manhã, um senhor alto muito magro, um tanto exasperado, a consultar o relógio e esfregar a cabeça branca interpelou-o numa esquina. Ele deteve os passos, tirou um dos fones-de-ouvido, onde troava um fandango, entre violões, pandeiros, castanhas:
--Que dia é hoje da semana, meu filho? – disse o velho.
--Quinta-feira.
O velho coçou de novo a cabeça branca, que balançava em contrariedade:
--Já é quinta-feira! Quinta-feira! -- murmurou agastado.
No dia seguinte, lá estava o senhor magro, de boca murcha, cabeça branca e nariz adunco, arrastando seus passos acerca da mesma esquina. Acenou para ele:
--Que dia é hoje da semana, meu filho?
--Sexta-feira.
E o velho em desconsolo:
--Já é sexta-feira! Sexta-feira!
Por muitas manhãs a cena se repetiu.
Certa segunda-feira, com uma pesada semana de trabalho por diante, ao se deparar com o senhor da cabeça branca e sua inevitável pergunta, resolveu trocar as coisas para ver se dava samba:
--Que dia é hoje da semana, meu filho?
--Terça-feira.
--Não, meu filho. Não é terça-feira, não.
--Ah, perdão, o senhor tem toda razão, é segunda.
E o outro incomodado, coçando a cabeça:
--Já é segunda-feira! Segunda-feira!
* * *
Aparentemente nada fora alterado por sua resposta cínica. Ele prosseguiu sobre seus passos ouvindo fandangos. E o velho restou na esquina, com sua habitual exasperação. Mas na manhã da terça-feira, era ele quem estava em passos nervosos acerca da esquina, coçando a cabeça, contrariado, indagando aos passantes pelo dia da semana.
Acordou com mais suor sobre a pele do que depois de uma restauradora caminhada matinal. Consultou o calendário.
Era quarta-feira.
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