Philippe Starck, 1994
Uma estranha obsessão e Marrakech
"Vou provar que tenho menos preconceito do que você". Essa parece ser a obsessão de nossos dias. Cada época tem a sua. Algo que segue no íntimo das pessoas como regra de conduta ou catecismo. O problema, aqui, é que hoje em dia esses catecismos se sucedem ou são emendados com vertiginosa freqüência.
Reza o catecismo atual que o maior pecado é ter preconceitos. E, então, para provar que não são preconceituosas, as pessoas travam verdadeiros duelos. Se dilaceram e desautorizam diante de audiências e câmeras. Quando empatam, balançam as cabeças em cortesia, visivelmente desoladas. Ao que tudo indica, ambas as cabeças vieram desde casa com uma idéia fixa. Acordaram, escovaram os dentes, tomaram café e vieram repetindo, pelos caminhos, ao volante do carro, antes de chegarem ao estúdio da TV: "eu NÃO tenho preconceitos"!
Mas é tão claro: a palavra, que deveria ir de um debatedor ao outro, parece sair pela esquerda a meio caminho. Ou antes cair no chão, como acontecia com talheres, pentes ou saleiros quando Didi queria apartear alguma coisa.
Em suma, a palavra se endereça não ao outro, mas ao ego. Um ego conectado a uma espécie de preconceitômetro – dispositivo que afere, em noves fora, sempre em favor de seu dono, o grau de preconceito dos conversantes. E, ao fim de tudo, a máquina imprime em público o diploma de menor grau de preconceito da Via-Láctea para seu ego-proprietário. Uma espécie de certificado ISO9000 do não-preconceito.
O que menos importa, aqui, são mérito e razoabilidade de argumento. Afinal, qualquer argumento se lastra em idéias anteriores que se vão arraigando... e, a seu modo, podem ser – perigo! perigo! (brada a consciência como fosse o robô de Perdidos no Espaço) – preconceitos.
Gestos bruscos e a firme convicção de não sermos preconceituosos parecem abrir-nos as portas de uma espécie de Disneylândia moral: já que não sou preconceituoso e fulano é, então sou melhor do que ele. Não importa se fulano mantenha, do seu bolso, que não é dos mais cheios, um orfanato onde estão nove crianças com câncer. Tenho menos preconceito. Sou melhor.
E há mesmo o caso daqueles tipos que vivem de farejar preconceitos. Verdade que, nesse doce afã, esquecem de fazer outras coisas: lavar pratos, catar piolhos, furar bolos, ajudar crianças com câncer ou ir passar as férias em Marrakech.
Ainda que Marrakech, ao que tudo indica, esteja abarrotada de preconceitos.
Reza o catecismo atual que o maior pecado é ter preconceitos. E, então, para provar que não são preconceituosas, as pessoas travam verdadeiros duelos. Se dilaceram e desautorizam diante de audiências e câmeras. Quando empatam, balançam as cabeças em cortesia, visivelmente desoladas. Ao que tudo indica, ambas as cabeças vieram desde casa com uma idéia fixa. Acordaram, escovaram os dentes, tomaram café e vieram repetindo, pelos caminhos, ao volante do carro, antes de chegarem ao estúdio da TV: "eu NÃO tenho preconceitos"!
Mas é tão claro: a palavra, que deveria ir de um debatedor ao outro, parece sair pela esquerda a meio caminho. Ou antes cair no chão, como acontecia com talheres, pentes ou saleiros quando Didi queria apartear alguma coisa.
Em suma, a palavra se endereça não ao outro, mas ao ego. Um ego conectado a uma espécie de preconceitômetro – dispositivo que afere, em noves fora, sempre em favor de seu dono, o grau de preconceito dos conversantes. E, ao fim de tudo, a máquina imprime em público o diploma de menor grau de preconceito da Via-Láctea para seu ego-proprietário. Uma espécie de certificado ISO9000 do não-preconceito.
O que menos importa, aqui, são mérito e razoabilidade de argumento. Afinal, qualquer argumento se lastra em idéias anteriores que se vão arraigando... e, a seu modo, podem ser – perigo! perigo! (brada a consciência como fosse o robô de Perdidos no Espaço) – preconceitos.
Gestos bruscos e a firme convicção de não sermos preconceituosos parecem abrir-nos as portas de uma espécie de Disneylândia moral: já que não sou preconceituoso e fulano é, então sou melhor do que ele. Não importa se fulano mantenha, do seu bolso, que não é dos mais cheios, um orfanato onde estão nove crianças com câncer. Tenho menos preconceito. Sou melhor.
E há mesmo o caso daqueles tipos que vivem de farejar preconceitos. Verdade que, nesse doce afã, esquecem de fazer outras coisas: lavar pratos, catar piolhos, furar bolos, ajudar crianças com câncer ou ir passar as férias em Marrakech.
Ainda que Marrakech, ao que tudo indica, esteja abarrotada de preconceitos.
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