sábado, 16 de fevereiro de 2008

De como poluição visual só começou a existir quando São Paulo descobriu a pólvora


Fernand Léger, 1919


A VIOLÊNCIA ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM A VÊ
Nosso atestado de meta-província

Em 1997, eu morava em São Paulo. E sentia um mal-estar danado ao passar por uma avenida que seguia após a Marginal Pinheiros, nas cercanias do Campo Belo, no rumo do Aeroporto de Congonhas. Eram painéis ciclópicos, intervalados, que entravam pelos olhos e ecoavam, doíam na cabeça. A impressão que se tinha: se todos os celulares e as turbinas dos aviões, nos imensos painéis, funcionassem ao mesmo tempo, bairros inteiros seriam acordados. Eram ainda mais épicos do que o famoso outdoor do Dr. T. J. Eckleburg, de que nos fala Scott-Fitzgerald no Gatsby: "os olhos do Dr. T. J. Eckleburg são azuis e gigantescos -- suas retinas medem uma jarda de altura".
Por essa mesma época, fiz amizade com Steve Hoffman, um americano boa praça, que estagiava na Escola Paulista de Medicina. Hoffman, num feriado, seguiu para Buenos Aires. Alguns dias depois que retornou, nos encontramos:
---“Que tal Buenos Aires?”, perguntei.
---“Bom, pelo menos eu limpei a vista”, ele disse .
Cinco anos depois, ciceroneando uma família chilena em férias aqui pelo Forte, eles mal podiam crer no que viam, quando passamos, certa tarde abafada, pela Av. Gomes de Matos. De repente, o mormaço ficou ainda mais sólido. De fato, a entropia visual por ali chega a desconcertar até mesmo o fortalezense já meio sedado, viciado, tonto de mal enxergar a própria paisagem.
Belo, belo. E, no entanto, só nos primeiros dias deste 2008, quase um ano depois de São Paulo haver discutido e sancionado a lei que começa a regular a poluição visual, é que os jornais fortalezenses têm destacado a necessidade de se tomar medidas emergenciais por aqui. Tanta defasagem, tamanho retardo, apenas repassam a medida de o quanto somos uma colônia dentro de outra. Uma meta-província.
Tenho tudo que não quero, não tenho nada que quero. Até quando teremos de esperar que os outros varram seu terreiro para ciscar o nosso, minha Bela?

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