domingo, 24 de fevereiro de 2008

De uma breve leitura domingueira do Diário só para Júlia Lopes


Robert Gober, 1992


Oscar, feiras, zagueiras, mutirões & o jargão jurídico


De uma rápida leitura do Diário do Nordeste de hoje [24.02.08]. Tomei como eixo de leitura, o segundo caderno [Caderno 3], e alguns artigos da seção de Opinião:

Meia-volante ou quarta zagueira?
[http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=514619]
O Jogada informa da convocação de Jana Cavalcanti, atleta cearense, para a seleção brasileira de futebol feminino sub-20. Mas sequer indica a posição em que a garota joga. Já imaginaram a grita geral que seria a omissão da informação se se tratasse de um garoto? Goleira, meia-volante ou quarta zagueira? Até para a gente se habituar ao nome das posições no feminino teria sido boa a informação.
Todos juntos, vamos
É um tanto engraçado que a cerimônia do Oscar tenha virado algo semelhante à Copa do Mundo. Mobilização nacional. Mas daí a dizer que “uma pesquisa da agência E-Poll/Reuters indica a flagrante torcida do público americano pelo filme Juno”, é colorir além da conta a expressão [Caderno 3]. Ou seja, é atribuir aos americanos uma postura bem nossa: adotar um filme como se fosse a seleção de futebol do país. Talvez mais imparcial fosse dizer que a pesquisa indica a “preferência” do público americano. Afinal, claro, os americanos não se reúnem em torno de um churrasco e põem bandeirolas na rua para apoiar a escolha de um dos filmes americanos. No caso deles, os filmes não-americanos que concorrem aos prêmios é que são a exceção.
A pátria de claquetes
Este ano, aliás, a frustração da galera de não ver um filme brasileiro concorrendo ao Oscar foi agradavelmente compensada com o Urso de Ouro atribuído a Tropa de Elite. E a galera já sonha com bicampeonato. Essa mistura de pátria de chuteiras com pátria de claquetes, de resto, é precisamente o tom com que o tema do Oscar é tratado aqui ["Brasil versus Oscar"]: fonte de orgulho nacional. Só que no caso do autor da matéria, ele não toma nenhuma distância, assume a patriotada na íntegra. E, notem, o texto dele está até divertido – apesar de ele vestir a camisa do torcedor de Oscar e dar bem pouca bola para uma postura mais isenta e crítica. Mas, às vezes, tem de ser esse vai ou racha, mesmo.
A Feira dos Malandros
Há um primor de eufemismo no editorial de hoje, que versa sobre o abandono das praças: “na Praça da Lagoinha, prospera de modo notório a Feira dos Malandros, onde objetos de procedência duvidosa são comercializados abertamente”. É preciso ser muito elegante para não falar em repasse de objetos roubados numa feira que, como o próprio nome indica, é de malandros. Taí, gostei. Resta saber se o consumidor da feira, que compra os objetos que são “comercializados abertamente”, também pode entrar na categoria de malandro. E, além disso, que medidas os poderes constituídos tomam para previnir ou fiscalizar essa comercialização aberta de objetos suspeitos de serem roubados.
O mutirão dos ladrões
Não é propriamente um equívoco, é mais a força da expressão, como no caso da “torcida” americana pelo Oscar. Porém, neste artigo sobre a Ronda do Quarteirão, a frase soa torta por uma razão: desvirtuar um termo que tem uma conotação bastante positiva e preciosa: “contudo, é preciso atentar que os ladrões estão fazendo até mesmo mutirões, principalmente nos chamados pontos críticos”. Convenhamos, o mutirão é um esforço coletivo que tem como alcance final um benefício à comunidade. O mesmo benefício que o articulista, em um tom, de resto, discutível, acredita que o eleitor usufruirá ao priorizar a segurança: “os eleitores devem só votar em quem oferece mais segurança, com base na mudança dos sistemas carcerário e penal”. Pode-se perguntar, apenas com base nesta mudança? Ou ainda: com a preocupação justificada pela segurança, sim, mas por que apenas com ela? E educação, e saúde, e transporte, e beleza, e o próprio sistema de eleições - que poderia ser distrital e de voto não obrigatório? Claro, segurança é uma das prioridades máximas de momento, mas, nos sentimos até mais seguros quando não se mixa alhos com bugalhos. Inclusive no precioso plano das idéias. E não se pode entregar uma idéia tão bonita quanto a de mutirão assim de mão beijada para os bandidos.
Qual a razão de não interpor o seu recurso adesivo?
Até que ponto o jargão de determinada classe profissional pode ser publicado no jornal impunemente, sem que seja minimamente filtrado para o entendimento de um maior número de mortais? Não falo isto em relação ao jornal como um todo. Pois ele é plural. Mas, os artigos da seção de opinião, por exemplo, pretendem alcançar um público mais amplo. Ainda que de longa educação formal ou acostumado a debater e medir idéias. Quer dizer, mais amplo, aqui, em termos das vivências profissionais de cada leitor, e não da educação formal deles. Pois os leitores que se dirigem à opinião possuem, em geral, mais anos de banco escolar ou mais horas de leituras. Ou, no mínimo de debate, de convivialidade pública. De outro modo, voltando ao jargão, é notória a verbosidade e o empolamento presentes no campo jurídico. Dizem que isso resulta de mais uma astúcia que as elites tecem, ao modo de trunfo. Uma reserva de poder. De qualquer maneira, um exemplo de artigo inadequado – por estar mais próximo de uma revista acadêmica que de uma seção de opinião – é este "Recurso Adesivo", escrito por um juiz que também é professor universitário: “se a parte obteve uma procedência parcial do seu direito e quer vê-lo logo executado (satisfeito), mas é surpreendida, posteriormente, pelo recurso principal da outra parte, qual a razão de não interpor o seu recurso adesivo, se os autos já irão mesmo para a Turma Recursal com o recurso principal da outra parte? Onde haver incompatibilidade? Qual o prejuízo que o adesivo causará ao processo? Incompatibilidade não se presume.” Perfeitamente claro, Meritíssimo. Eu também não quero interpor o meu recurso a alguém, especialmente se não estiver apaixonado. E depois, quem é que advinha mesmo as incompatibilidades conjugais? Além disso, também concordo que se deveria colar o adesivo, não no processo dela, mas no “vrido” do carro. E quanto à essa Turma Recursal, já encontrei mesmo com esse bando de bonequeiros lá pelo Arlindo.
Até a próxima!

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